“O deus das pequenas coisas”, de Arundhati Roy

Neste meu novo texto de opinião, venho falar-vos de \”O Deus das Pequenas Coisas\”, de Arundhati Roy, o romance com o qual venceu a edição de 1997 do Booker Prize, um dos mais importantes prémios literários do mundo.

Este livro conta-nos a saga de uma família indiana ao longo de três gerações, mas, conta-nos, principalmente, a história do casal de gêmeos Estha e Rahel. Estha e Rahel nasceram em 1962, logo após a derrota da Índia na guerra contra a China. Assim sendo, vamos acompanhar a perspectiva de duas crianças em relação ao modo de vida aflitivo da Índia. Um modo de vida marcado por um Hinduísmo vincado, com um sistema de divisão de castas absolutamente castrador, pela condição de vida injusta das mulheres e pela influência da colonização britânica e, naturalmente, a consequente perda identitária de todo um povo.

Acontece que o mesmo povo que se deixa deslumbrar pela influência britânica, converter ao cristianismo e contagiar pelos ideais marxistas, procura perpetuar, através destas novas ideologias, o mesmo sistema de divisão de castas de sempre. Esta questão política e religiosa chamou-me muito à atenção, uma vez que se assemelha muito à forma como a igreja católica incorporou as tradições do império romano no cristianismo.

\”Vinte por cento da população de Kerala era constituída por Cristãos Sírios que acreditavam ser os descendentes de centenas de brâmanes convertidos ao cristianismo pelo Apóstolo São Tomé quando este viajou para o oriente após a ressurreição. Estruturalmente – prosseguia esta linha argumentativa algo rudimentar -, o marxismo era um substituto simples do cristianismo. Substitui-se Deus por Marx, Satã pela burguesia, o céu pela sociedade sem classes, e a forma e o fim da viagem permanecem idênticos. Uma corrida com obstáculos, com direito a prémio no final. Ao passo que a mente hindu tinha de proceder a ajustamentos mais complexos.\” — Arundhati Roy

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Fonte: Edições ASA

Na Índia, pior do que ser um intocável, só mesmo ser mulher. A mulher, por mais que pertença a uma família rica e que até lhe seja permitido estudar, por mais que se esforce e até venha a ter um papel fundamental num negocio de família, nunca terá direito a nada, pois é considerada um ser inferior cujo único propósito de vida é casar, ter filhos e servir ao marido.

Perante isto, podemos imaginar como é vista uma mulher divorciada. E se esta mulher se apaixonar por um intocável? Ammu, a mãe dos gêmeos, e Velutha, o intocável, o \”Deus das pequenas coisas\” apaixonam-se. Velutha é designado de \”Deus das pequenas coisas\”, na medida em que se torna um funcionário essencial na empresa desta família.

Na realidade, ele praticamente gere a fábrica. Contudo, nunca deixará de ser um intocável desprezível. Será que o romance de Ammu e Velutha pode ter um final feliz? Será que há esperança para o povo indiano?

O desfecho desta história vai-nos sendo revelado ao longo de capítulos alternados entre a infância e as vidas adultas de Estha e Rahel.

Ainda que tenha sido muito dificil, a leitura desta obra acrescentou-me muito, uma vez que a forma que a autora encontrou de nos mostrar como é viver na Índia foi precisamente atirar-nos para o meio da Índia com o seu trânsito caótico, a sua multidão multicor de pessoas, a sua pobreza e a sua atmosfera asfixiante. Para terem uma ideia, no final de um capítulo especifico, em que esta família faz uma viagem de carro eu pensei: Ufa! Ainda bem que já chegamos. Este efeito é conseguido através do uso e abuso de recursos linguísticos como metáforas, comparações, dupla adjetivação e onomatopéias que colocam a obra ao alcance dos cinco sentidos. Gostei muito da escrita da Arundathi Roy e, na minha opinião, a personagem de Rahel é um alter ego da autora. Aconselho muito este livro a quem desejar conhecer mais da história indiana. Só têm de estar preparados para os murros no estômago do início ao fim.

Foto: Arundhati Roy por Sarah Lee

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Sobre a autora:
Nascida a 24 de novembro de 1961, em Sillong, na Índia, Arundhati Roy é uma romancista, ensaista e ativista anti-globalização. Cursou arquitetura na Universidade de Deli, onde ainda reside, e foi autora de guiões para séries televisivas e filmes. Com o seu primeiro romance \”O Deus das Pequenas Coisas\”- traduzido em dezasseis línguas, e que constituiu um acontecimento literário em todos os países em que foi publicado – obteve o Booker Prize de 1997. Seguiu-se, por um longo período temporal, a publicação de várias obras de não ficção, incluindo os ensaios \”O Fim da Imaginação\” e \”Pelo Bem Comum\”. Duas décadas depois, voltou aos romances, com \”O Ministério da Felicidade Suprema\”.

Sugestão de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
\”O Deus das Pequenas Coisas\”, de Arundhati Roy (Vencedor do Booker Prize 1997, Edições ASA, Wook):
https://www.wook.pt/livro/o-deus-das-pequenas-coisas-arundhati-roy/19867757

Leitores residentes no Brasil:
\”O Deus das Pequenas Coisas\”, de Arundhati Roy (Vencedor do Booker Prize 1997, Edição de Bolso, Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/o-deus-das-pequenas-coisas-ed-bolso/artigo/07f2f2b6-7486-4853-af2c-095a3fc3a656

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Boas leituras!

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