Nas palavras de João Tordo, “um escritor tem de se desafiar para os leitores se sentirem desafiados.”

Nos dias que correm, o seu nome dispensa apresentações. Neste seu percurso literário, João Tordo, que começou a escrever em 2004, ousou, recentemente, a experimentar um novo género literário. Desta vez, depois de ter editado pela Companhia das Letras Portugal em Março deste ano, “A Mulher que Correu Atrás do Vento”, o autor envolve-nos no seu primeiro thriller com “A Noite em que o Verão Acabou”, uma narrativa que tem, como ponto de partida, o assassinato de Noah Walsh, um magnata norte-americano, a 14 de Setembro de 1998, na pequena cidade de Chatlam, e ao mesmo tempo, o início de uma amor adolescente.

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Fonte: Companhia das Letras Portugal

Nesta narrativa, Pedro Taborda que aparece como um dos protagonistas, persegue o sonho de ser escritor. Ainda que Tordo não possua a certeza de que tenha transferido algumas das suas características literárias para esta personagem, alguns dos seus traços biográficos ajudam a construí-la, nomeadamente, a sua irmã gémea, a tia e uma avó que são muito parecidas com as do livro e, durante muitos anos, chegou a passar férias na casa dos meus pais, numa vila muito idêntica. Além disso, o autor, tal como Pedro, também cresceu naquela época.

Em 1987, tinha 13 anos, precisamente, e recorda-se bem daqueles tempos e das coisas que gostavam. Existe ainda um traço interessante, visto que, por ter estudado em Nova Iorque, entre os 27 e os 28 anos, ele acabou por conhecer bem a cidade que serve de pano de fundo ao enredo. Ainda assim, o nome da metrópole foi alterado de Chatham para Chatlam.

Escrito em primeira pessoa, o autor revela que gosta de escrever desta forma, uma vez que gosta de sentir que está a escrever e a narrar a sua própria história, como se fosse uma das suas aventuras, o que o leva a brincar com a questão da confusão entre o narrador e o autor e, por esse motivo, acaba por estar presente em todo o livro.

\”A vida de escritor é muito assim: dedicas 80% da tua energia a isto. O resto fica para a vida normal.\” — João Tordo

Confessa que quando está a escrever, a sua vida quotidiana fica num plano suspenso e que ele se transporta para um mundo diferente, neste caso, o mundo da narrativa que desenvolve, o que dá, aos leitores, uma sensação de que ele desaparece para reaparecer mais tarde. Quando questionado se ele inclui elementos biográficos nas suas histórias, ele reconhece-o, embora nunca as tenha analisado por esse ponto de vista. Como exemplo, refere que, quando estava a escrever “O Luto de Elias Gro”, o primeiro volume da “Trilogia dos Lugares sem Nome”, que é completada com “O Paraíso Segundo Lars D.” e “O Deslumbre de Cecília Fluss”, visitou uma ilha, com dimensões muito reduzidas e passou uma semana no interior do farol, ou seja, são experiências que se não tivesse vivido e sentido, na sua pele, jamais teria escrito os livros que escreveu.

Admite, de forma bastante clara, que quando está a escrever, habita e move-se muito mais no mundo das personagens do que no mundo físico. Para ele, é um processo que se inicia muito cedo, pela manhã, por volta das 8h30 ou 9h00. Depois, escreve até às 14h00 ou 15h00. No final desse período longo, faz uma pausa. Assim que a noite chega, ele volta a debruçar-se e a pensar naquilo, outra vez. Por vezes, é muito difícil lidar com o dia-a- dia, até porque a história submerge-te. Todavia, esse estado faz parte do ofício.

Uma das suas crenças firmes como escritor é que é necessário ter-se uma ligação emocional muito grande à história. Trazer certos temas e assuntos que produzem inquietação, à superfície, e ter um desafio é algo fundamental.

\”O simbolismo e a metáfora, que é como as histórias são construídas, são muito importantes. Quando existe essa ligação emocional com o livro e se faz a aventura com a personagem, tudo adquire um impacto muito maior do que se for dito, simplesmente. Daí a força das histórias.\” — João Tordo

Se me permitem um à parte, tal como a Margaret Atwood diz, eu creio igualmente que nós, os humanos, somos portadores desta capacidade fantástica de inventar e narrar histórias. Quando as contamos, estamos a aludir ao que já possuímos e que habita cá dentro. Porém, de uma forma simbólica. Há praticamente um lado de catarse, como descrevia Aristóteles na tragédia grega, quando o protagonista se dá conta das consequências das suas decisões e escolhas.

Sobre o tempo em que demorou a sua identidade como pessoa e como autor, ele desvenda que demorou muito tempo a encontrá-la e, mesmo assim, não sabe se conseguiu esse objetivo. Defende que a nossa identidade é formada nos primeiros anos de vida: primeiro o caráter e a personalidade, entre os 7 ou 8 anos, e após essa fase, as nossas primeiras experiências emocionais, que podem ser muito boas ou muito traumáticas.

Se analisarmos, atentamente, o Pedro tem as duas vertentes. Há a experiência da rapariga que o fascina tanto quando ele está naquela fase vulnerável dos 13 anos, transversalmente, e que atinge tanto os rapazes como as raparigas, sendo eles mais vulneráveis do que se pensa. Esta experiência acaba por deixá-lo muito perturbado. Uma década depois, tem o azar de ir para os Estados Unidos e de reencontrar a Laura, envolvida numa situação difícil, porque o pai dela acaba de ser assassinado. Ele envolve-se naquela situação sem saber muito bem como. Esta acção faz com que ele forme (ou deforme) a sua vida.

No mundo real, João Tordo nunca teve um mentor. No entanto, no mundo ficcional que nos apresenta neste seu primeiro thriller, ele preenche esse vazio com Gary List, um famoso escritor americano que vai ajudar Pedro Taborda, no seu percurso para se tornar num autor. Mesmo assim, o autor português foi estudar para os Estados Unidos e viveu, durante alguns anos, em Londres, ou seja, conheceu muito da realidade dos autores de língua inglesa. Tal como ele, eu também estava à procura da minha identidade enquanto escritor. Sabia o que queria fazer, mas não sabia como, tal como o Pedro.

\”Ninguém nasce escritor, é uma construção. Precisa-se de experiência, de nos enganarmos muitas vezes, de escrevermos sem objetivo.\” — João Tordo

Nessa época, se um dos autores que mais o cativou foi, por um lado, Philip Roth, o qual nunca teve o prazer de conhecer, dado que o Philip vivia isolado numa casa de campo, não recebia visitas e não ensinava em nenhuma faculdade, por outro, conheceu Paul Auster, um escritor de que sempre gostou muito.

Quando partiu, foi com esse sonho: queria escrever, mas não sabia como. Como muito da sua influência foram os autores anglo-saxónicos, achou que podia encontrar, de certa maneira, uma via por aí. Com o passar dos anos, foi adquirindo outros gostos e regressou aos autores que leu durante a infância: os russos, os franceses, os espanhóis. Acrescentou que existem vantagens e desvantagens em se ter um mentor: do lado negativo, pode-se ficar muito colado a uma certa voz da qual, mais tarde, não se consegue libertar. Como ponto positivo, pode ser alguém que pode ajudar bastante.

Por fim, desvenda que nunca teve muita urgência em publicar. Aliás, para poder publicar com muita frequência, ele escreve os livros com alguma antecedência. Este, que saiu no passado mês de novembro, já estava pronto desde Setembro de 2018. Realça que já terminou o que vai publicar em 2020.

\”Um escritor tem de se desafiar para os leitores se sentirem desafiados.\” — João Tordo

Se é fã do autor, saiba que na rentrée, haverá um novo romance que se passa durante os últimos anos da ditadura em Portugal. E, como se isso não fosse suficiente, talvez, nos meses de março ou Abril, o seu primeiro livro de não ficção vai ver a luz do sol e as prateleiras das livrarias.

Foto: João Tordo por Miguel Manso

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Sobre o autor:
João Tordo nasceu em Lisboa em 1975. Foi finalista do Prémio Melhor Livro de Ficção Narrativa da Sociedade Portuguesa de Autores (2011 e 2015), do Prémio Literário Fernando Namora (2011, 2012, 2015, 2016), e do Prémio Literário Europeu em 2012. Relembro que venceu o Prémio Literário José Saramago, em 2009, com o romance “As Três Vidas”. É um dos autores contemporâneos mais prolíficos em Portugal, neste momento. Os seus livros estão publicados em vários países, incluindo França, Itália, Alemanha, Hungria, Espanha, México, Argentina, Brasil, Uruguai, entre outros.

Sugestão de Leitura:

Leitores residentes em Portugal
“A Noite em que o Verão Acabou”, de João Tordo (Companhia das Letras Portugal, Wook):
https://www.wook.pt/…/a-noite-em-que-o-verao-acabo…/23463654
“A Mulher que Correu Atrás do Vento” de João Tordo (Companhia das Letras Portugal, Wook):
https://www.wook.pt/…/a-mulher-que-correu-atras-do…/22855147
**“Ensina-me a Voar sobre os Telhados”, de João Tordo (Companhia das Letras Portugal, Wook):
https://www.wook.pt/…/ensina-me-a-voar-sobre-os-te…/21502924
“O Luto de Elias Gro” – Trilogia dos Lugares sem Nome, Volume I, de João Tordo (Companhia das Letras Portugal, Wook):
https://www.wook.pt/…/o-luto-de-elias-gro-joao-tor…/16343180
“O Paraíso segundo Lars D.” – Trilogia dos Lugares sem Nome, Volume II, de João Tordo (Companhia das Letras Portugal, Wook):
https://www.wook.pt/…/o-paraiso-segundo-lars-d-joa…/16992496
“O Deslumbre de Cecília Fluss” – Trilogia dos Lugares sem Nome, Volume III, de João Tordo (Companhia das Letras Portugal, Wook):
https://www.wook.pt/…/o-deslumbre-de-cecilia-fluss…/19288201

** Livro nomeado como um dos finalistas do Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa. O vencedor é anunciado na próxima quinta-feira, dia 5 de Dezembro, em São Paulo.

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Boas leituras!

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