“Carta ao pai”, de Franz Kafka

Vitória Mansano é uma jovem de 18 anos, estudante de Letras, na USP – Universidade de São Paulo. Nascida em Marília, no interior do maior estado brasileiro, ela ama literatura clássica e, a partir de hoje, faz parte do Sonhando Entre Linhas e esta é a sua primeira opinião. Espero que gostem.

A relação entre pais e filhos é uma questão que perdura pela história da humanidade, desde Homero, com os deuses e os seus sucessivos descendentes, mortais ou imortais. Tal facto demonstra os conflitos existentes, principalmente, acerca da figura paterna, seja pela sua autoridade máxima, expressa pelo deus “porta-égide” (Zeus), seja pela sua postura diante da desobediência de seus filhos, como foi retratado, por exemplo, no Mito de Prometeu, em que este, após desobedecer ao seu pai, e pai de todos os homens e deuses, sofre consequências trágicas.

Se quisermos usar um ponto de vista mais actual, já na modernidade, esse tema carrega a sua mais alta confissão no livro “Carta ao Pai”, de Franz Kafka, que, apesar de possuir o mesmo ponto de vista, apresenta, surpreendentemente, diversos ângulos de visão.

Como a maior parte dos seus livros, “Carta ao Pai” foi, igualmente, uma obra publicada postumamente, o que fez com que o seu caráter confessional e particular se torna-se ainda mais real, pois, não houve qualquer consentimento do autor em expor os seus sentimentos para milhões de leitores, nem, ao menos, para seu próprio pai, que nunca chegou a recebê-la.

Nessa carta, o autor expõe a sua angústia vivida e ainda, em vida, sobre cada linha escrita. Angústia que não, apenas, se restringe às situações e aos momentos narrados, mas à sua acumulação através dos anos, e. por fim, o seu desabafo.

Kafka, simplesmente, surpreende o leitor, não em relação às suas justificações, mas ao seu estado psíquico, moldado forçosamente. Tais traumas demonstram o lado mais vulnerável e frágil, tanto de uma criança em desenvolvimento, quanto de um homem adulto, que ainda sofre as mesmas questões, sem obter ajuda nem resposta, seja de sua família, seja apenas do remetente da sua Carta.

Traumas e angústias expressos, em cada parte deste livro, diferentemente do que Renato Russo canta na sua música “Pais e Filhos”: “você culpa seus pais por tudo/Isso é absurdo […]”, e da concepção de imposição da Justiça de Zeus sobre os mortais, na Grécia Antiga.

Com esta obra, o autor já admite a sua própria culpabilidade, ainda que ele carregue, consigo, um olhar crítico diante de todos os momentos que marcaram a sua vida, profundamente.

Mais do que narrar situações e pensamentos, Kafka narra-nos a sua essência. Ele faz-nos refletir sobre a nossa postura, de filho ou de pai, sobre os conflitos acerca dessa relação e, principalmente, sobre as marcas deixadas.

No Brasil, este livro foi editado pela Companhia das Letras, pela primeira vez, em 1997, numa edição traduzida por Modesto Carone, um dos mais importantes tradutores brasileiros da actualidade. Na sua já longa carreira, já traduziu diversas obras deste inigualável autor , tendo começado em 1983, tais como: “O processo”, “Um artista da fome”, “A metamorfose”, “O castelo”, entre outros. Além disso, recebeu o prémio APCA, na categoria de Melhor Livro de Ensaio/Crítica, pela autoria de “Lição de Kafka”.

Boas leituras!

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