“Assim na terra como embaixo da terra”, de Ana Paula Maia

Nesta minha estreia a ler um livro de Ana Paula Maia, premiada escritora e roteirista brasileira, nascida no Rio de Janeiro, que já venceu, em 2 anos consecutivos, o Prêmio São Paulo de Literatura, deparei-me com uma narrativa fluída, viciante, que nos faz mergulhar numa escrita que, a par das vidas das personagens que compõem este enredo exclusivamente masculino, é enxuta e cada palavra utilizada é indispensável para nos revelar a história contida nestas 144 páginas, editada em 2017 pela Editora Record.

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Fonte: Editora Record

No antigo terreno onde, um dia, decidiram construir \”uma colônia penal que serviria de modelo para o restante do país e de onde nenhum preso escaparia.\”, existiu uma plantação de milheiral que foi destruída por um incêndio que consumiu devastadoramente parte da casa do proprietário.

Esta história possui alguns elementos que nos podem fazer pensar que se trata de uma distopia. Digo isto porque a Colónia Penal, que serve de pano de fundo a este curto romance, está localizada num território isolado, nunca nomeado, onde a sua localização nunca nos é fornecida e, ao mesmo tempo, as poucas referências temporais, introduzidas pela autora, não nos permitem saber, com exatidão, em que época ele se passa.

Adicionalmente, como já é de se esperar, não existe qualquer tipo de comunicação com o mundo exterior, o que reforça a ideia de um perfeito confinamento para todos os que lá vivem.

No que diz respeito ao enredo, ele é construído apenas por homens e esse detalhe pode, em certos casos, causar algum estranhamento aos leitores, dado que não existe menção alguma a qualquer personagem feminina.

Como mulher, a autora, numa entrevista dada ao blog da Editora Record, ela revela que gosta muito de escrever sobre o universo masculino justamente para se distanciar dela própria e, dessa forma, enveredar por uma atitude de contemplação.

\”Valdênio é velho para um lugar como este. Tem sessenta e cinco anos. Passou a metade da vida encarcerado atrás de grades de ferro ou em colônias penais como esta, fazendo todo o tipo de trabalho. Já deveria estar solto mas a justiça o mantém neste lugar. Agora, espera nunca encontrar a liberdade em vida, pois já não há quem espere por ele do lado de fora dos muros.\” — Ana Paula Maia

É através de flashbacks como este, que impregnam o texto de um dinamismo vivo, que vamos conhecendo, aos poucos, o passado de todos estes personagens, Obviamente, todos eles são complexos e, ao longo das páginas, vamos vendo as diferentes que vão criando entre eles e, naturalmente, com Melquádes, sendo que este, por sinal, é considerado insano, sobretudo, devido às atitudes tomadas depois de saber que a desativamente daquele lugar está iminente.

\”Pela janela, observa a quietude do pátio. De um limite a outro, não há movimentação alguma. Executou toda a espécie de surdidez humana. Não se apieda de criminosos, nem dos livre, bem dos condenados. Aprendeu com o pai, um ex-policial que o melhor lugar para se manter um bandido
é debaixo da terra.\” — Ana Paula Maia

Já Taborda tem, contra ele, o facto de acobertar os crimes cometidos na Colónia.

Definitivamente, a Colónia Penal é um mundo recheado de violência, de crimes que mostram o lado mais negro da condição humana, de poder, por um lado, devido à presença de Melquíades, que nos é apresentado como o superior máximo daquele lugar e, por outro, com o papel de Taborda, o único guarda que lá permanece. Nesse cenário claustrofóbico, não existem inocentes. Todos os homens descritos, quer sejam presos, condenados por assassinarem ou violerem os seus semelhantes, quer sejam as autoridades principais, se sentem aprisionados dentro daqueles muros. Escusado será dizer que, dentro deles, há muito que se extinguiu o respeito pela Humanidade.

“O confinamento de homens assemelha-se a um curral de animais. O gado é abatido para se transformar em alimento; os homens, por sua vez, são abatidos para deixarem de existir. Não é um lugar de recuperação ou coisa que o valha, é um curral para se amontoarem os indesejados, muito semelhante aos espaços destinados às montanhas de lixo, que ninguém quer lembrar que existem, ver ou sentir seus odores.” — Ana Paula Maia

Em suma, este é um livro que pode ser lido num único fôlego, bastante impulsionado pela sua escrita cinematográfica. Para isso, basta dispensar algumas horas do seu dia e deixar-se levar por um tema bastante importante e que, de uma forma ou de outra, entra pelas nossas casas adentro, todos os dias, pela tv ou quando lemos os jornais. Sem qualquer dúvida, o 6º livro da autora, se analisarmos a sua bibliografia, é uma das minhas leituras favoritas deste ano de 2020.

Foto: Ana Paula Maia por Rafael Dabul

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Sobre a autora:
Ana Paula Maia nasceu no Rio de Janeiro. É autora de sete romances, entre eles “Carvão Animal”, “De Gado e Homens” e “Assim na Terra como embaixo da Terra”. Tem contos publicados em diversas antologias, entre elas “25 Mulheres que estão fazendo a Nova Literatura brasileira” (Record, 2004) e “Sex´n´Bossa” (Mondadori, Itália, 2005).

Sugestão de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
“Assim na terra como embaixo da terra”, de Ana Paula Maia (eBook, Editora Record, WOOK):
https://www.wook.pt/ebook/assim-na-terra-como-embaixo-da-terra-ana-paula-maia/23359065

Leitores residentes no Brasil:
“Assim na terra como embaixo da terra”, de Ana Paula Maia (Editora Record, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/…/d4f8e976-df51-41d6-aba9-99a01…

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Boas leituras!

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