Agatha Christie: O “mau génio” da rainha do crime através da correspondência trocada com o seu editor

A Harper Collins nasceu há dois séculos. Actualmente, é uma das maiores editoras de livros do mundo. De todos os autores do seu catálogo, ao longo da sua história, há uma que se destacará eternamente. Agatha Christie, a eterna rainha do crime e a autora que mais vendeu, logo atrás de Shakespeare e da Bíblia. Contudo, a partir de dia 20 de Julho, no Theakston Old Peculier Crime Writing Festival, vamos conhecer o seu lado mais obscuro, pois, será revelada a correspondência que trocou com o seu editor e onde é notório o seu “mau génio”.

Agatha Christie revolucionou de forma inquestionável, a literatura policial do século XX. Extremamente multifacetada, escreveu contos, romances, novelas, poesia e teatro. Criou duas das personagens mais famosas no mundo literário: Hercule Poirot e Miss Marple. Ainda assim, o seu sucesso no mundo literário nem sempre foi um mar de rosas. Por diversas vezes, teve desentendimentos com a sua editora.

No âmbito da comemoração do bicentenário da Harper Collins, a prestigiada casa editorial vai revelar, pela primeira vez, a correspondência trocada entre Christie e Bill Collins, o seu editor. Tudo vai acontecer, entre os dias 20 e 23 de Julho, durante a edição de 2017 do Theakston Old Peculier Crime Writing Festival.

A autora sentia-se frustrada com a diversa correspondência que recebia e confidenciou-o em Outubro de 1949: “Tenho recebido várias cartas de diferentes leitores que se mostram surpresos por eu ser ‘uma senhora tão velha’”.

Nessa altura, contava já 59 primaveras e um comentário de Bertie Meyer, produtor de teatro que levaria à cena, uma adaptação do seu romance “Crime no Vicariato”, despertou particularmente o seu desagrado. À época, após visualizar a sua última fotografia divulgada publicamente, a reacção de Collins, não se fez esperar: “Francamente, Agatha. Aquela fotografia dá-lhe cerca de 70 anos”. Christie contra-argumentou num piscar de olhos: “Ninguém gosta [das fotografias], possivelmente, talvez, porque não parecem ter sido de todo retocadas? Todas as linhas e rugas – e pare com isso, não tenho 70 anos – nem sequer cheguei aos 60.” 

Ainda que já tivesse começado a deixar a sua impressão no género policial, e não tivesse muito tempo livre devido à fama que alcançou, após a criação do famoso detective Poirot, fazia questão de participar, activamente, em cada fase da edição e produção de todos os seus livros.

O trabalho gráfico realizado para a capa de alguns dos seus livros também foi ferozmente criticado, quer pela autora, quer pela sua família: o primeiro manifestou até algumas gargalhadas no seu lar.  O motivo foi a sobrecapa de “Os Trabalhos de Hércules”, na qual aparece um pequeno habitante de Pequim com uma expressão bravia. Este facto desencadeou comentários obscenos e a resposta enviada por Agatha por via epistolar, a 9 de Abril de 194, foi directa e concisa: “Tentem outra vez”. No entanto, apesar da sua intolerância perante o sucedido, a mesma figura reapareceu, desta vez, numa edição recente em capa dura.

Mais tarde, já em Julho de 1974, a Rainha do Crime continuava a reforçar a urgência de serem realizados ajustes ao grafismo dos seus livros, todavia,  como não existem 2 sem 3,  o mítico detective “parecia que estava vestido a rigor para ir a um funeral”, na edição de “Os Primeiros Casos de Poirot”.

Outro episódio que a fez mostrar a sua ironia aconteceu em 1967. Nesse ano, o seu mais recente trabalho chegou às prateleiras das livrarias antes de lhe ser comunicada a data de publicação, e até mesmo,  de receber um pequeno número de exemplares antecipadamente. Citando a escritora: “Normalmente, o livro [é publicado] em Novembro e dá muito jeito para enviar aos amigos [como prenda de] Natal – mas agora é impossível fazê-lo, não?”, alfinetou Christie. “Acho vergonhosa a forma como estão a tratar os vossos autores.\”

Em jeito de conclusão, a correspondência trocada entre Christie o seu editor era, na sua grande maioria, de tom agradável e cordial, deixando transparecer a amizade que ambos mantiveram até à morte da autora em 1976. Agatha era a agenciada mais rentável de Collins e fora apresentada, por este, à Harper Collins em 1924. O seu desagrado e o “mau génio” só apareciam, pontualmente, quando a autora se sentia excluída das grandes decisões do mercado livreiro.

Sobre a autora:
Nascida em Torquay, na Grã-Bretanha, em 1890, Agatha May Clarissa Miller é mais conhecida Agatha Christie. Durante a I Guerra Mundial, prestou serviço voluntário num hospital, primeiro como enfermeira e depois como funcionária da farmácia e do dispensário. Esta experiência revelar-se-ia fundamental, não só para o conhecimento dos venenos e preparados que figurariam em muitos dos seus livros, mas também para a própria concepção da sua carreira na escrita. Com o seu segundo marido, o arqueólogo Max Mallowan, Agatha viajaria um pouco por todo o mundo, participando ativamente nas suas escavações arqueológicas, nunca abandonando contudo a escrita, nem deixando passar em claro a magnífica fonte de conhecimentos e inspiração que estas representavam. Autora de cerca de 300 obras (entre romances de mistério, poesia, peças para rádio e teatro, contos, documentários, uma autobiografia e seis romances publicados sob o pseudónimo de Mary Westmacott), viu o seu talento e o seu papel na literatura e nas artes oficialmente reconhecidos em 1956, ano em que foi distinguida com o título de Commander of the British Empire. Em 1971, a Rainha Isabel II consagrou-a com o título de Dame of the British Empire. Deixando para trás um legado universal celebrado em mais de cem línguas, a Rainha do Crime, ou Duquesa da Morte (como ela preferia ser apelidada), morreu em 12 de janeiro de 1976. Em 2000, a 31st Bouchercon World Mistery Convention galardoou Agatha Christie com dois prémios: ela foi considerada a Melhor Autora de Livros Policiais do Século XX e os livros protagonizados por Hercule Poirot a Melhor Série Policial do mesmo século.

Boas leituras!

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