Paul Auster e a sua carreira literária marcada pela dificuldade de se ver como um romancista

Com 72 anos completados no dia 3 de Fevereiro, Paul Auster é um dos maiores autores norte-americanos da actualidade, basta olhar para a sua longa carreira que já conta com 45 anos. É autor de romances como “Sunset Park”, “O País das últimas Coisas”, “O Livro das Ilusões”. “O Palácio da Lua”, “A Trilogia de Nova Iorque”, “Timbuktu”, “A Noite do Oráculo” e “4 3 2 1”, entre outros. Mas como é que tudo começou? Quais foram as dificuldades dele até se tornar o grande escritor que ele é?

As terras do Tio Sam são conhecidas por conceder muitas oportunidades, sobretudo, devido a um conceito defendido por James Truslow Adams, um importante historiador e escritor norte-americano. A partir da sua obra “The Epic of America”, publicada em 1931, ele utilizou, pela primeira vez, o famoso termo “American Dream” que, traduzido para português, significa “Sonho Americano”. Para ele, “a vida deveria ser melhor, mais rica e mais completa para todos, com oportunidades para todos, tendo as suas habilidades ou conquistas, como base”. Contudo, o percurso para nos tornarmos escritores não é fácil. Aliás, na minha humilde opinião, Paul Auster é um dos autores que melhor demonstram essa persistência e essa perseguição do sonho.

Em Setembro de 2017, tive a oportunidade única de assistir a uma palestra deste brilhante contador de histórias, visto que ele foi convidado para o Festival Internacional de Cultura que decorreu em Cascais. Numa conversa conduzida pela escritora Patricia Reis, uma das coisas que mais me tocou foi o facto de ele afirmar, de forma categórica e inegável, que, para sermos escritores, devemos observar a escrita como uma necessidade, e não como um meio de ganhar dinheiro, exclusivamente.

Ainda assim, ao voltar atrás no tempo, percebo que, no início desta longa jornada, Auster foi melhor acolhido no velho continente do que no seu próprio país. Depois de licenciar pela Universidade da Columbia, em 1970, foi viver para França durante quatro anos. Nesse período, aproximou-se bastante da literatura daquele país, o que lhe permitiu trabalhar como tradutor. Para terem uma ideia da importância que a tradução tem para o autor, ele aconselha que os jovens escritores devem traduzir poesia para entenderem melhor o significado intrínseco das palavras. No entanto, estava pouco habituado a enredos cheios de acção fez com que fosse visto como um “corpo estranho” a dar os primeiros passos na literatura americana. Diria mesmo que o consideraram, até certo ponto, um homem muito “afrancesado”. Muito por culpa, certamente, de ser um confesso admirador de André Breton, Paul Éluard, Stéphane Mallarmé, Sartre e Blanchot. Além disso, segundo as suas próprias palavras, Fiódor Dostoiévski, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, William Faulkner, Franz Kafka, Friederich Hölderlin, Samuel Beckett e Marcel Proust são as suas maiores influências.

Ainda que, nos dias que correm, seja mais conhecido por escrever romances, foi na poesia que se estreou, dado que, entre 1974 e 1980, publicou quatro livros, em pequenas tiragens, que foram recebidos pelo público, de forma tímida. Obviamente, isso fez com que sentisse que tudo aquilo que escrevia estava, à partida, devotado ao fracasso entre o público.

Descendente de uma família de judeus, de classe média, oriunda de Newark, em Nova Jersey, o autor possui um traço paralelo, curioso e bastante interessante com outro grande autor, Estou a referir-me a Philip Roth, uma vez que nasceram na mesma cidade. Porém, não há muito mais que os ligue. Mesmo que abordem temas ligados à cultura judaica, à condição do escritor e recorram a dados autobiográficos, sempre que surge em cena, prefere esconder-se na penumbra, por detrás das cortinas.

Em 1985 publicou o seu primeiro romance “Cidade de Vidro”. No ano seguinte, escreveu e publicou “Fantasmas” e “O Quarto Fechado à Chave”. Tratava-se, na época, das suas primeiras tentativas para se tornar um romancista. Do lado da crítica literária se, por um lado, nas palavras de Sven Birkerts, Paul Auster era uma espécie de “fantasma no banquete de escritores americanos contemporâneos”. Por outro, para o escritor, a dificuldade de se ver como um romancista vinha, precisamente, do facto de que o que ele escrevia ser muito diferente do que era produzido pela maioria dos romancistas.

Até no momento em que se debruça e escreve sobre temas enraizados na cultura do seu país, nomeadamente, a Grande Depressão ou o baseball, a sua ficção, ao contrário dos romancistas actuais, exala um estilo que bebe de grandes referências da literatura europeia e da literatura americana do século XIX, tais como Herman Melville, Nathaniel Hawthorne, Edgar Allan Poe e Henry David Thoreau.

Para Rafaela Scardino, professora da Universidade Federal do Espírito Santo, a literatura de Paul Auster oferece-nos, sem qualquer dúvida, um espaço de reflexão, na medida em que acompanhamos os pensamentos, as dúvidas e as questões levantadas pelas suas personagens. Na sua opinião, os livros escritos por este grande autor, diferentemente do pragmatismo que está impregnado na cultura dos EUA, acima de tudo, pensam e, ao mesmo tempo, duvidam, sendo essa, talvez, a maior diferença tanto a nível da construção e do enriquecimento dos personagens que cria como também a nível da narrativa.

A sua veia poética permanece numa prosa que mistura diversas tradições e escolas literárias, mesmo sem pertencer a nenhuma delas. De acordo com Aliki Varvogli, da Universidade de Dundee, na Escócia, ele combina a metaficção e a autoficção com passagens poéticas e ensaísticas, o que faz com que ela deambule entre o realismo e o experimentalismo literários.

Foto: Paul Auster por Christopher Thomond

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Sobre o autor:
Nascido em 1947 em Newark, Nova Jersey, Estados Unidos, estudou literatura francesa, inglesa e italiana na Columbia University, em Nova Iorque. Viveu em Paris de 1971 a 1975. De volta à cidade que nunca dorme, em 1980, mudou-se para o bairro do Brooklyn, onde vive e trabalha até hoje. Poeta, tradutor, crítico de cinema e literatura, romancista e guionista de cinema, publicou ensaios, memórias, poesia e ficção. Da sua vasta e multifacetada produção litrária destacam-se “Trilogia de Nova Iorque”, “Mr. Vertigo”, “A Noite do Oráculo”, “No País das Últimas Coisas”, “Timbuktu”, “Leviathan” ou, ainda, “Sunset Park” para citar apenas alguns exemplos. O seu romace mais recente, e mais longo, curiosamente, chama-se “4 3 2 1” e foi editado em Portugal pela Edições ASA e no Brasil pela Companhia das Letras.

Sugestões de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
“A Trilogia de Nova Iorque”, de Paul Auster (LeYa, Wook):
https://www.wook.pt/…/trilogia-de-nova-iorque-paul…/21980247
“A Noite do Oráculo”, de Paul Auster (Edições ASA, Wook):
https://www.wook.pt/li…/a-noite-do-oraculo-paul-auster/39559
“Homem na Escuridão”, de Paul Auster (Edições ASA, Wook):
https://www.wook.pt/l…/homem-na-escuridao-paul-auster/225449
“Invisível”, de Paul Auster (Edições ASA, Wook):
https://www.wook.pt/livro/invisivel-paul-auster/2552168
“Sunset Park”, de Paul Auster (Edições ASA, Wook):
https://www.wook.pt/livro/sunset-park-paul-auster/9623566
“4 3 2 1”, de Paul Auster (Edições ASA, Wook):
https://www.wook.pt/livro/4-3-2-1-paul-auster/19041337

Leitores residentes no Brasil:
“Noite do Oráculo”, de Paul Auster (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/…/b6793357-1ba9-4c98-9c6b-bb162…
“Homem no Escuro”, de Paul Auster (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/…/64d52e7e-5d78-4c36-b606-59181…
“Invisível”, de Paul Auster (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/…/04453f3e-0b80-4de1-9a19-8b5dc…
“Sunset Park”, de Paul Auster (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/…/479726a7-45fc-4a67-8f12-f2174…
“4 3 2 1”, de Paul Auster (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/…/24a9e0c6-5ea1-4457-8df3-05796…

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Boas leituras!

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