Desconstruindo Saramago, com Luís Moura: #2 – \”A Noite\”

Após a inauguração deste desafio literário, por parte da Ana Ribeiro, com a leitura e a opinião sobre \”Ensaio sobre a Cegueira\”, de José Saramago, quero trazer-vos uma outra vertente deste incrível escritor português. Com \”A Noite\”, peça teatral escrita e representada, pela primeira vez, em 1979, o único Nobel de Literatura da língua portuguesa demonstra, por um lado, a diversidade da sua longa produção literária e, por outro, a mestria com que o faz, reforçando o seu olhar crítico sobre a ditadura, a censura e a liberdade da imprensa.

No ensino secundário, nas aulas de Português, quando abordarmos as obras de José Saramago, os professores colocam o foco nos romances do autor, nomeadamente, \”Memorial do Convento\”, \”Ensaio sobre a Cegueira\” e \”O Ano da Morte de Ricardo Reis\”, entre outros. Não quero, de forma alguma, criticar esse ponto de vista. Muito provavelmente, isso acontece devido à falta de tempo e ao extenso conteúdo progrmático. Além disso, sei que a escrita do autor nas suas narrativas mais conhecidas não é do agrado de todos. Porém, \”A Noite\”, por ser um texto dramático, que foi escrito para ser encenado e representado, possui uma escrita que se insere numa estrutura mais clássica.

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Fonte; Porto Editora

Nesta peça, construída em dois atos sequenciais, viajamos até à redação de um jornal, em Lisboa, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, para saber como é que os acontecimentos que levaram à Revolução dos Cravos foram recebidos por todos aqueles que trabalhavam no jornal, quais foram as reações que provocaram naquele espaço.

No primeiro ato, ao mesmo tempo que sabemos que a edição do dia seguinte já estaria pronta e. aliás, as máquinas estariam prestes a imprimi-la, ficamos a saber que existem várias movientações, que podem gerar uma potencial revolução, a ocorrer do lado exterior daquele edifício.  Numa primeira fase, isto é visto como um mero boato. 

Ali dentro, está presente uma hierarquia bastante rigida.  Ao lermos, deparamo-nos, desde a primeira intervenção, com a presença incessante da ditadura, pela voz de Valadares, o chefe da redação. Escusado será dizer que ele, juntamente com Máximo Redondo, o diretor do jornal, e o engenheiro Figueiredo, no papel de Administrador, representa a face do regime e do poder.

Depois, é importante salientar a importância dos jornalistas, começando por Fonseca que, de certo modo, é uma personagem que obedece a essa mesma hierarquia, uma vez que quer ascender ao poder. A seguir, quero mencionar Torres que, na minha opinião, é uma voz inconformada e que luta contra o sistema imposto. E, obviamente, não poderia deixar de fora, Cláudia, a estagiária, que, tal como todas as personagens femininas do Nobel português, é uma personagem forte e, simbolicamente, é a primeira a levantar-se contra o fascismo. 

Num terceiro grupo, incluo os funcionários da tipografia, Jerónimo, o chefe da oficina, Afonso e Damião que, sem qualquer margem para dúvida, estão contra a ditadura e a favor da suposta revolução. Naturalmente, ao olharmos para hierarquia, eles são considerados o elo mais fraco.

No segundo ato, à medida que a peça avança e o suposto boato começa a transformar-se numa verdade incontornável, notamos, de forma clara, que há uma inversão da hierarquia, dado que Jerónimo, Afonso e Damião, e os outros integrantes da tipografia, acabam por se juntar ao Torres e à Cláudia na defesa da verdade dos factos.

Quero referir, igualmente, que a revolução que acontece nas ruas ganha um sentido ainda mais forte quando eles, ainda que saibam que estão a ir contra a decisão do diretor do jornal, decidem publicar uma nota sobre a revolução que assola o país, o que faz com que, com esse gesto, desmotem a relação de poder que imperva naquela redação.

Em suma, a meu ver, como é visível em outras obras, esta é mais uma alegoria construída pelo autor, sobretudo, se pensarmos que, neste texto, ele vai debruçar-se sobre a importância da escrita e as suas implicações para a sociedade. Nas 136 páginas que compõem a edição publicada pela Porto Editora, em Setembro de 2018, o autor traça-nos, a partir de 18 personagens, o rerato social, económico, político e ideológico da sociedade portuguesa dos últimos anos da ditadura imposta por Salazar.

Foto: José Saramago por João Ribeiro

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Sobre o autor:
Nasceu. a 16 de Novembro de 1922. na aldeia de Azinhaga. Devido a dificuldades económicas, José Saramago foi obrigado a interromper os estudos secundários, tendo, a partir desse momento, exercido diversas atividades profissionais: serralheiro mecânico, desenhista, funcionário público, editor, jornalista, entre outras. O seu primeiro livro foi publicado em 1947. No entanto, só em 1976, é que passou a viver, exclusivamente, da literatura, primeiramente, como tradutor, depois, como autor. Romancista, dramaturgo, cronista e poeta, em 1998, tornou-se o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prémio Nobel de Literatura.

Sugestões de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
“A Noite”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
https://www.wook.pt/livro/a-noite-jose-saramago/15497953

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Boas leituras!

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