“Terra nos cabelos”, de Tônio Caetano

Se por um lado, os 15 contos de \”Terra nos cabelos\” me apresentaram um universo feminino bem construído e inquietante, dada a multiplicidade de situações extremas que estas protagonistas enfrentam, por outro lado, esta obra, que venceu o Prémio Sesc de Literatura de 2020 na categoria de contos, envolveu-me numa teia de narrativas que tentam devolver a dignidade que muitas mulheres perdem ao longo das suas existências.

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\”Terra nos cabelos\”,
de Tônio Caetano
(vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2020, na categoria de Contos,
ed. Editora Record, 112 páginas)

No seu livro de estreia, Tônio Caetano, escritor oriundo de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, apresenta-nos 15 contos, todos eles com protagonistas mulheres que, independentemente da sua classe social, da sua profissão e/ou das realidades que elas vivenciam no seu dia-a-dia, dia-a-dia, nos fazem refletir sobre essa condição de habitar um corpo feminino, a dificuldade que é ser mulher num mundo que está repleto de machismo, violência, discriminação, falta de respeito e empatia pelo outro.

Em termos de escrita, a maioria dos contos são narrados em primeira pessoa, o que faz com que nós, os leitores, nos sintamos mais perto das personagens que vão aparecendo ao longo do livro. Essas mesmas personagens são muito bem construídas e possuem uma dupla dimensão, uma vez que são narradoras mas também personagens que participam nessas mesmas histórias.

Ainda que estes contos sejam relativamente curtos, as narrativas são intensas e carregam um lirismo profundo, sem que a linguagem usada na sua construção precise de ser complexa. A meu ver, ela é até bastante direta e o esforço que o autor realizou para não desperdiçar palavras é bem visível. Nesse sentido, a forma de escrever de Tônio Caetano me fez regressar um pouco à escrita de Ana Paula Maia, que tive o prazer de conhecer quando li \”Assim na terra como embaixo da terra\”, uma obra editada igualmente pela Editora Record. Contudo, essa falta de complexidade em termos linguísticos é compensada pela robustez e riqueza inseridas em cada uma das protagonistas. 

Nesta teia formada pelos contos, o autor aborda, entre outras temáticas, a identidade, o erotismo, a violência, o significado da escrita, a objetificação sexual das mulheres, uma vez que, num dos contos, a protagonista é uma profissional do sexo.

Entre os contos que me conquistaram, \”Terra nos cabelos\”, que inaugura esta coletânea, é marcante pela força que está impregnada naquelas linhas que nos mostram a forma de uma mãe, já com idade avançada, quando presencia uma cena em que o seu filho é vítima de violência gratuita.

Depois, temos “Aclamação”, uma narrativa que nos coloca perante uma mulher que trabalha como caixa de supermercado. Devido ao trabalho excessivo, sobretudo nos dias em que sai mais tarde, deixou de se sentir desejada por alguém e, durante o tempo que passa dentro dos diversos transportes que utiliza para regressar a casa, quer voltar a sentir-se útil e. de uma vez por todas, resgatar a sua humanidade. Em suma, ela busca um momento para voltar a ser mulher.

No conto “Formação”, o mais extenso deste livro, a premissa gira ao redor do envolvimento de uma professora com um aluno problemático. Todavia, na minha opinião, este texto tem um significado que vai muito além da relação entre eles. Para mim, o ponto central prende-se com a questão do papel da protagonista na formação daquele jovem que, no fundo, já tem o destino praticamente traçado.

Por sua vez, a narradora presente em “Sangrando” assiste a uma palestra e no meio da apresentação entediante começa a divagar, acabando por se deparar com várias perguntas que rondam o mundo da escrita.

Quanto ao conto que fecha esta obra, intitulado \”Estômago\”, foi incrível ver a capacidade do autor em criar uma espécie de distopia onde o sul do Brasil repousa sob uma neve que não parece ter fim. Este acontecimento inesperado e limite, além de deixar aquelas gentes totalmente desamparadas, sem poder contar com apoio de ninguém, revela uma sensação de impotência e de deslocamento que me arrepiaram, embora a narradora já tenha referido essa situação nas primeiras linhas. Por fim, o texto sublinha igualmente a forma como nós, seres humanos, em momentos assim, recorremos a forças que não julgávamos ter em nome da nossa sobrevivência.

Foto: Tônio Caetano por Rafael de Oliveira

Sobre o autor:
Nascido em Porto Alegre (RS), em 1982. Tônio Caetano trabalha como servidor público municipal e é especialista em Literatura Brasileira pela PUC-RS. Integra as coletâneas \”Contos de Mochila\”, \”Minicontos de Amor e Morte\”, \”Planeta Fantástico e \”Ancestralidades: escritores negros\”. Em 2020, venceu o Prêmio Sesc de Literatura 2020, na categoria Contos, com o livro \”Terra nos cabelos\”.

Sugestão de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
\”Terra nos cabelos\”, de Tônio Caetano (e-Book, Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2020, na categoria de Contos, Editora Record, Wook):
https://www.wook.pt/ebook/terra-nos-cabelos-tonio-caetano/24394185

Leitores residentes no Brasil:
\”Terra nos cabelos\”, de Tônio Caetano (Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2020, na categoria de Contos, Editora Record, Amazon Brasil):
https://www.amazon.com.br/Terra-nos-cabelos-T%C3%B4nio-Caetano/dp/6555870885

Boas leituras!

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