“Anos de chumbo e outros contos”, de Chico Buarque

Depois de ter lido o romance “Essa gente”, que marcou a minha primeira incursão pela prosa de Chico Buarque, regressei agora para ler “Anos de chumbo e outros contos”, a fim de descobrir a sua faceta como contista.

\"\"
\”Anos de chumbo e outros contos\”, de Chico Buarque
(ed. Companhia das Letras, 168 páginas)

À medida que vamos lendo, notamos que existe uma alternância entre aqueles que são narrados na primeira pessoa e aqueles em que o autor escreve na terceira pessoa.

Com o Rio de Janeiro sempre presente num plano de fundo, Buarque guia o leitor por um retrato onde a perversidade de uma sociedade à beira da ruína é escancarada, através de todas as histórias que ele narra, trazendo para a luz, os indivíduos alienados por essa mesma sociedade.

Nestes contos temos malandros, artistas, indigentes e alguns dos elementos da identidade nacional brasileira, nomeadamente, o samba, praia, futebol, candomblé, não esquecendo o omnipresente fosso social e a eterna violência policial.

Em termos temporais, não existe uma distribuição linear dos contos, o que faz com que haja uma maior dinâmica para quem lê. A linha cronológica de “Cida”, por exemplo, abrange várias gerações; Já em “Copacabana” e “Para Clarice Lispector, Com Candura”, a melancolia do passado é bem vincada. Nos contos “Meu Tio” e “O Sítio” já surgem referências à “peste” contemporânea e à ubíqua “máscara da covid”.

Todavia, engana-se quem pensa que este é um livro repleto de um cariz nostálgico, uma vez que o conto que dá título a esta coletânea evidencia a ditadura militar que ocorreu no Brasil, ou seja, uma das épocas mais negras da história recente daquele país.

Se, quando li o romance “Essa Gente”, já tinha ficado totalmente envolvido pela escrita de Buarque numa narrativa de maior fôlego, agora, com a leitura de “Anos de chumbo e outros contos”, que foi editado em solo luso pela Companhia das Letras Portugal em novembro de 2021, devo dizer que fiquei surpreendido com a heterogeneidade dos oito contos presentes neste livro.

Em suma, esta obra, cuja leitura pode ser realizada numa tarde devido ao seu texto agradável, é uma amostra que mescla o fascinante poder de observação e a subtileza linguística do artista carioca, que empresta uma cadência e um ritmo únicos à sua prosa.

Foto: Chico Buarque por Bob Wolfenson

Sobre o autor:
Nascido no Rio de Janeiro, em 1944, Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque, é compositor, cantor e ficcionista, e um dos mais célebres e admirados artistas de língua portuguesa. Publicou várias peças de teatro, entre as quais a “Ópera do Malandro”, e uma novela antes de se estrear no romance, em 1991, com “Estorvo”, pelo qual recebeu o prémio Jabuti. Seguiram-se “Benjamim” (1995), “Budapeste” (2003) e “Leite Derramado” (2009), estes últimos distinguidos com o prémio Jabuti para melhor romance do ano. No mais recente romance publicado, “O Irmão Alemão” (2014), Chico Buarque relata a busca por um irmão desconhecido. Todos os seus romances estão publicados em Portugal pela Companhia das Letras, assim como “Tantas Palavras”, um livro que reúne todas as suas letras acompanhadas por um retrato biográfico escrito por Humberto Werneck. Em 2019 viu a sua obra literária reconhecida pelo Prémio Camões, a mais alta distinção para autores de língua portuguesa.

Sugestão de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
“Anos de chumbo e outros contos”, de Chico Buarque (Companhia das Letras Portugal, Wook):
https://www.wook.pt/livro/anos-de-chumbo-e-outros-contos-chico-buarque/25538578

Leitores residentes no Brasil:
“Anos de chumbo e outros contos”, de Chico Buarque (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
https://www.amazon.com.br/chumbo-outros-contos-Chico-Buarque/dp/6559213072

Boas leituras!

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top