Certamente que já ouviu dizer que quem escreve, neste caso, Virginia Woolf, colocou partes da sua personalidade, do seu caráter e dos seus próprios pensamentos nas personagens que criou para as suas obras, nomeadamente, \”Mrs. Dalloway\”, muito provavelmente, a sua obra mais conhecida. É sobre isso que, através deste tezto, a Alice Maulaz nos vai dizer o tipo de relação que exioste entre a personagem e a sua criadora.
É diante de um período pós-guerra, descrito no primeiro capítulo, que Virginia escreve um novo conceito de romance moderno denominado \”Mrs Dalloway\”, em 1923. A narrativa começa com a personagem principal, Mrs. Dalloway, dizendo que, ela mesma, ia comprar as flores, enquanto caminhava pelas ruas de Londres. Toda a narrativa é envolvida na preparação de uma festa dada por Clarissa, na noite daquele dia narrado, enquanto o lado consciente dos personagens é vivenciado pelo leitor, tendo acesso aos mais íntimos pensamentos de cada um deles.
Esta necessidade de a personagem sair para comprar as flores. na primeira linha da narrativa. já nos traz diversas questões levantadas por Oliveira (2014):
Qual é a necessidade real da personagem de ir comprar as flores e ter esta participação ativa nos detalhes da festa? Seria um ritual de celebração da vida ou da morte? Temos estas dúvidas baseada no próprio comentário de Woolf no prefácio do livro\”[…] Mrs. Dalloway, originalmente, ia se matar, ou apenas morrer no final da festa.\” — Woolf, 2012 p. 1 apud Oliveira, 2014
É interessante, aliás, como a reflexão presente na primeira frase da narrativa traz sobre a identidade de Clarissa, que mesmo sendo descrita, pelo personagem Peter Walsh, como dama perfeita da sociedade, ela pode não ter sido exatamente satisfeita com a sua realidade, já que a própria personagem admite ter feito metade das coisas para agradar aos outros e não a ela própria, defendendo o seu status, mesmo sabendo que o seu comportamento não fazia sentido para ela, como podemos observar na passagem:
\”Muito melhor se fosse uma daquelas pessoas como Richard que faziam as coisas pelas próprias coisas, enquanto ela, pensou esperando para atravessar, metade do tempo fazia as coisas não pura e simplesmente, não por elas mesmas, mas para que as pessoas pensassem isso ou aquilo; idiotice total sabia ela.\” — Woolf, 2013, l. 148
Assim, reveste-se de particular importância lembrar que existe um sentimento de fardo constante na própria personagem perante as suas escolhas no passado. Por isso, temos este esforço constante da personagem em busca de identidade e significância do presente.
Pode-se dizer que este esforço que Clarissa faz para pertencer ao meio inserido é uma forma de crítica sobre a sociedade patriarcal em que Woolf precisava de conviver na vida real. Neste contexto, fica claro que a sociedade que Woolf descreve precisa de lidar com a dominação, hierarquia e conquistas desiguais, conforme também comentado por Oliveira (2018):
\”A sociedade patriarcal de Mrs. Dalloway é marcada por espaços de dominação, de hierarquias e conquistas. As intervenções de Mrs. Dalloway nesses espaços seriam uma tentativa de inserção, inclusão e uma possível alteração dessas delimitações e, consequentemente, da limitação e da exclusão do feminino.\” — Oliveira, 2018, l. 4603.
O mais preocupante, contudo, é constatar que a própria Woolf não teve a oportunidade de ir estudar em uma universidade nem ir a uma biblioteca sem a companhia de alguém do sexo masculino. Não é exagero afirmar que era tão difícil para uma autora renomada, tanto quanto para a personagem de sua obra, lidar com as próprias questões existenciais diante de uma desigualdade tão descriminatória.
Conforme explicado acima, Woolf e a personagem principal, Clarissa Dalloway, possuem muito em comum. É importante considerar que a solidão vivida pela personagem e pela autora durante a vida, assim como as questões existenciais, formam o estado mental reprimido pela realidade como, por exemplo, a forma como o casamento é visto por Clarissa. Brilhantemente, Virginia possui a sensibilidade de trazer indagações tão sérias de uma maneira natural para as suas obras, em especial \”Mrs Dalloway\”.
A própria questão do casamento é um tema constantemente abordado pela autora na narrativa e nem sempre de maneira positiva. É intrigante, aliás, os comentários de Clarissa sobre a própria relação com o seu marido, como neste trecho:
\”Com o dobro da inteligência dele, ela tinha de enxergar as coisas pelos olhos dele – uma das tragédias da vida conjugal. Com suas ideias próprias, ela precisava estar sempre citando Richard – como se não bastasse ler o Morning Post de uma única manhã para saber nos mínimos detalhes o que Richard pensava! Essas festas, por exemplo, eram todas para ele, ou para a ideia que ela fazia dele.\” — Woolf, 2013, l. 1168
A autora deixa claro na citação acima que o foco da personagem era manter a compostura de esposa que precisava de se submeter ao marido, uma postura cobrada pela sociedade da época. As festas para a personagem aparentam, no seu consciente, uma forma de manter uma imagem perante o seu meio. Esse é o motivo pelo qual é importante frisar essas críticas ao casamento, uma vez que Virginia também possuía críticas sobre o assunto ao descrever o seu trabalho como escritora e o casamento com Leonard no diário de \”Um Teto Todo Seu\” , com o seguinte desabafo:
\”Preciso me forçar a encarar o fato de que não há nada – nada para nenhum de nós. Trabalhar, ler, escrever, tudo é um disfarce; e os relacionamentos com as pessoas. Sim, mesmo ter filhos é inútil.\” — Woolf, 2014, p. 88.
Sendo assim, podemos identificar que as rupturas vividas por Woolf são expressas nos personagens da narrativa do romance de \”Mrs. Dalloway\”, principalmente na personagem principal. Clarissa representa um espelho de muitos dos sentimentos que ela presenciou durante a vida e esta forte presença de críticas e sentimentos já podem ser presenciados desde a primeira frase do romance.
Foto: Virginia Woolf por Emil Otto Hoppé
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Sobre a autora:
Nasceu em Londres a 25 de janeiro de 1882, filha de Sir Leslie Stephen, escritor e historiador ilustre da Inglaterra vitoriana. Desde cedo ligada a grupos de intelectuais, Virginia Woolf casou, em 1912, com Leonard Woolf e com ele fundou a editora Hogarth Press, responsável pela revelação de autores como Katherine Mansfield e T. S. Eliot e pela publicação das suas próprias obras. Reconhecida como uma das mais proeminentes figuras do modernismo britânico, destacam-se entre os seus trabalhos os romances “Mrs Dalloway” (1925), “Orlando” (1928) e “As Ondas” (1931), assim como o ensaio “Um Quarto que Seja Seu” (1929). Após sucessivas crises depressivas e não suportando o isolamento provocado pelo agravar da Segunda Guerra Mundial, suicida-se a 28 de março de 1941, em Lewes.
Sugestão de Leitura:
Leitores residentes em Portugal:
“Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf (Livros do Brasil, Wook):
https://www.wook.pt/livro/mrs-dalloway-virginia-woolf/16066983
Leitores residentes no Brasil:
“Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf (Penguin-Companhia, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/mrs-dalloway-1-ed-2017/artigo/3c12d6c4-9c43-4d72-b0aa-c144d85174c5
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Boas leituras!