A talentosa autora Chimamanda Ngozi Adichie regressa com um livro avassalador e, simultaneamente, uma das provas de amor mais marcantes que já li, nomeadamente, se levarmos em conta que é a própria autora que nos fala sobre a sua experiência de ter perdido o seu pai, uma pessoa que ela tanto amava, durante o atual período de pandemia de Covid-19. Chegou recentemente a Portugal pela Publicações Dom Quixote e ao Brasil pela Companhia das Letras.
Este texto que foi publicado em formato de ensaio, pela primeira vez, na revista The New Yorker, nasceu da experiência da escritora, após a morte do seu pai, a 10 de Junho de 2020, numa altura em que mundo vivia ainda sob o medo mais primordial da pandemia.
\”Até aqui, a dor pertencia aos outros. Será que o amor acarreta, ainda que inconscientemente, a arrogância delirante de pensar que nunca será atingido pelo luto?\”. Esta foi, sem dúvida, uma das perguntas que mais abalou as minhas estruturas como ser humano.
Muitas vezes, nós, como seres humanos, acreditamos naquela falsa ideia de que as tragédias, entre elas, a morte de determinadas pessoas, entre elas, os pais que possibilitaram a nossa existência, é algo que não nos vai acontecer, sendo que alguns acham que ainda é cedo, que ainda têm tempo de sobra com os pais, irmãos, outros familiares ou amigos. No entanto, o tempo é imparável e, quando menos se espera, devido a fragilidade da vida, perdemos alguém que amamos num piscar de olhos.
Chimamanda, que é uma autora hábil com as palavras, acostumada a usar a linguagem como a sua ferramenta diária de trabalho, encontrando vocabulário para exprimir as mais diversas sensações, estados de espírito, para construir personagens inesquecíveis e narrativas memoráveis, como por exemplo, \”Americanah\”, \”Meio Sol Amarelo\” ou \”A Cor do Hibisco\”, desmoronou completamente.
\”A notícia é como um desenraizamento brutal. Sou arrancada à força do mundo que conhecia desde a infância. E ofereço resistência.\” — Chimamanda Ngozi Adichie
Aquele dia 10 de junho de 2020 deixou-a “virada do avesso, aos gritos e urros no chão.” De repente, \”essa coisa do pior dia de uma vida existe mesmo e, por favor, querido universo, não quero que nunca nada seja ainda pior.\”
Definitivamente e como já seria de esperar, dado que esta é uma experiência universal, ainda que cada pessoa \”faça o luto à sua maneira\”, como Adichie refere, a certa altura, neste relato, ela está visivelmente atordoada:
“Como é possível o mundo continuar em movimento, a inspirar, a expirar, inalterado, enquanto na minha ama se instalou uma dispersão permanente?” — Chimamanda Ngozi Adichie
Solitária, a escritora acaba por viver essa morte entre duas tradições, a ibo, onde nasceu, a cultura dos pais, e a ocidental. De um lado, tem a que lhe pede que se mostre e, do outro, a que lhe permite o isolamento. Além disso, Os preparativos de um funeral que se adia durante semanas e até meses, torna impraticável qualquer plano de alívio, devido ao encerramento dos aeroportos nigerianos. Neste livro, o lado prático e o lado íntimo fundem-se compõem um tecido coeso num dos textos que irá contar entre os mais impressionantes sobre o luto.
Para tentar afastar aquilo a que podemos chamar de \”tirania do luto\”, ela entrelaça este relato bastante pesado com a história de vida do pai. trazendo-nos vários episódios que ela partilhou com ele.
\”Sentar‑me na companhia dele a conversar sobre o passado era como recuperar um belíssimo tesouro que, de qualquer maneira, me pertencia.\” — Chimamanda Ngozi Adichie
A voz poderosa e, em paralelo, a escrita delicada da autora nigeriana regressam neste novo livro que, apesar de curto, visto que tem 112 páginas, mergulha em questões que abraçam a mais profunda essência da condição humana, sobretudo, no que diz respeito à forma como o ser humano lida com o luto, a ausência física permanente e avassaladora de alguém que amamos, e a dor que isso provoca.
\”A dor da perda faz‑me mudar de pele à força, abre‑me os olhos para a realidade. Arrependo‑me das minhas antigas certezas: \’Deve‑se fazer o luto, falar sobre o luto, enfrentá‑lo, atravessá‑lo.\’ As certezas presunçosas de quem ainda não está familiarizado com essa dor.\” — Chimamanda Ngozi Adichie
Por fim, como se tudo isto já não fosse uma fase bastante negra, a 1 de março deste ano, o dia em que o seu pai faria mais um ano de vida, se estivesse entre nós, Chimamanda perdeu a sua mãe.
“A linguagem falha. Os clichés ganham uma vida surpreendente: o coração é verdadeiramente pesado, não é uma mera metáfora. As manhãs tão escuras que não somos capazes de nos levantar da cama, o pulso errático, a raiva, a surpresa, os pequenos momentos de esquecimento, os arrependimentos, as condenadas tentativas de fuga. Mas a dor está à espera. A dor é inescapável.” — Chimamanda Ngozi Adichie
Esta declaração foi escrita e publicada a 28 de Abril deste ano, na página de Facebook da autora, sob o título \”How Does A Heart Break Twice?\” (Como é que um coração se pode partir duas vezes?).
Foto: Chimamanda Ngozi Adichie por Mamadi Doumbouya
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Sobre a autora:
Nasceu na Nigéria, em 1977, tendo ido estudar para os Estados Unidos aos dezanove anos. Os seus contos apareceram em diversas publicações e receberam inúmeros galardões como o da BBC Short Story Competition em 2002 e o O. Henry Short Story Prize em 2003. “A Cor do Hibisco”, o seu primeiro romance, foi distinguido com o Hurston/Wright Legacy Award 2004 e o Commonwealth Writers’ Prize 2005, tendo também sido finalista do Orange Broadband Prize 2004 e nomeado para o Man Booker Prize 2004. “Meio Sol Amarelo”, já publicado pela Dom Quixote, venceu, em 2007, o Orange Broadband Prize, o Anisfield-Wolf Book Award, o PEN Beyond Margins Award e o Women’s Prize for Fiction de 2020, como o melhor romance dos últimos 25 anos. “Americanah” venceu o Chicago Tribune Heartland Prize 2013. A escritora foi também distinguida, em 2008, com um Future Award na categoria de Jovem do Ano e recebeu uma bolsa da MacArthur Foundation, considerada a “bolsa dos génios”, no valor de 500 mil dólares. A sua obra encontra-se traduzida em trinta e uma línguas.
Sugestão de Leitura:
Leitores residentes em Portugal:
\”Notas sobre o Luto\”, de Chimamanda Ngozi Adichie (Dom Quixote, Wook):
https://www.wook.pt/livro/notas-sobre-o-luto-chimamanda-ngozi-adichie/24737703
Leitores residentes no Brasil:
\”Notas sobre o Luto\”, de Chimamanda Ngozi Adichie (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/notas-sobre-o-luto-1-ed-2021/artigo/ed62a8a2-a68a-4bb9-b0b2-939130e5f971
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Boas leituras!