Margaret Atwood: Recriar ou não recriar “A Tempestade”, de William Shakespeare? “Semente de bruxa”, eis a resposta!

Muito provavelmente, a mente de Margaret Atwood, a mais consagrada escritora canadiana da actualidade, sobretudo, pela autoria da obra “The Handmaid’s’ Tale” que inspirou a série de surpreendente sucesso do Hulu, pensou, vezes sem conta, se seria bom recriar um dos clássicos de Shakespeare, o maior autor britânico de todos os tempos. Editado, este mês, em Portugal, pela Bertrand Editora, “Semente de Bruxa” é a proposta que recria “A Tempestade”.

Por muitas vezes, entramos numa livraria a correr, desalmadamente, para a prateleira das novidades e, de repente, reparamos que, normalmente, quase todos os livros têm as letras do título, intencionalmente, maiores que o nome de quem os escreve. Todavia, no caso de Margaret Atwood, isso não se verifica, o que nos chama, logo, à atenção.

Toda esta mudança que confirma, claramente, uma excepção à regra, acontece desde que o seu romance “The Handmaid’s Tale”, originalmente, publicado em 1985, se tornou um dos maiores fenómenos de sucesso da Netflix, dado que o nome de Atwood, viaja, freneticamente, na bocas do mundo, o que faz com que, quase ininterruptamente, comente a série, fale não só do elenco como, ainda, dos diversos prémios atribuídos.

Relembro que, por cá, a obra foi editada pela Bertrand Editora, sob o título de “História de uma Serva” em 2013.

Curiosamente, a autora declarou numa entrevista ao The Guardian que, apesar de todos os prémios e reconhecimento mundiais que a série teve, ela não obtém quaisquer receitas dessa adaptação. Onde ela beneficia, sem qualquer margem para dúvidas é no estrondoso aumento das vendas dos seus livros.

No que diz respeito a este livro, “Semente de Bruxa”, faz parte de uma colecção de livros com temática shakesperiana, pois, vários autores recriam as obras. Margaret não é a primeira a reescrever, com o seu estilo, as narrativas, reconhecidamente, intemporais. Antes dela, Jeanette Winterson, Howard Jacobson e Anne Tyler formaram, juntamente, com Gillian Flynn, Tracy Chevalier, Jo Nesbo e Edward St Aubyn, o sexto que deu vida a um dos volumes da Vintage’s Hogarth Shakespeare.

Com efeito, a narrativa chegou, pelas mãos da sua editora portuguesa, dois anos após o seu lançamento internacional, porém, este atraso, não diminui ,em nada, a maestria desta autora excepcional. Na sua escrita, existem traços de ironia, tragédia e humor, magistralmente, entrelaçados.

É, exactamente, a meio da encenação de “A Tempestade”, durante o festival de teatro que dirige que, ao perceber que foi traído por um dos seus assistentes, Félix é compelido a se refugiar, perto da natureza, numa casa isolada, totalmente, abandonada e que não reúne as mínimas condições para que, alguém, possa pensar em viver nela.

Ali, recria-se como se tivesse vestido a pele de uma personagem, no entanto, os fantasmas das irreparáveis perdas que sofreu, a mulher e a filha, afligem-no, incansavelmente.

Nesta vil solidão, passa 12 anos até que decide procurar emprego. Um facto que é descrito por Atwood, inclusivé, com algum detalhe, visto que, Félix, compra um computador, um modem e o seu acesso à Internet é feito através de um cabo de rede.

A partir desse momento, num mundo absurdamente singular, ele muda de identidade e adopta o nome de Senhor Duke e, inesperadamente, consegue algumas ofertas de emprego, chegando, mesmo, a candidatar-se a dar aulas no estabelecimento prisional de Fletcher.

Quase num piscar de olhos e afastando-se, aos poucos, da disciplina que lhe estava confiada, a sua veia de encenador reaparece e, isso, faz com que comece a encenar algumas das peças do primoroso dramaturgo inglês, tendo, naturalmente, em conta que o seu público-alvo, agora,são os reclusos. Por essa razão, este promete-lhes uma única liberdade: Todos podem pronunciar as palavras indecentes presentes nos diálogos das personagens.

Num determinado momento, o encenador profere esta fala:

“Shakespeare tem qualquer coisa para toda a gente, pois era esse o seu público: toda a gente, do ponto mais alto da escala social ao mais baixo e vice-versa. (…) Mas trabalhamos como uma equipa. Cada homem terá um papel essencial a desempenhar, e, se alguém tiver dificuldades, deverá ser apoiado pelos colegas de equipa, porque a nossa peça só será tão forte quanto o elo mais fraco: se um de nós falhar, falhamos todos em conjunto”.

Consequentemente, as peças encenadas por Duke adquirem um certo estatuto de tradição, uma vez que passam a acontecer todos os anos. E, à medida que o tempo vai passando, a cada ano, uma peça diferente é revisitada.

Entretanto, subitamente, alguns após o episódio que afastou o encenador do festival de Makeshiweg, Anthony e Sal, nas funções de ministros, visitam o estabelecimento, o que faz com que ele se lembre de que, à data dos factos, eles foram os responsáveis pela sua saída.

É, então, na pele de Próspero, o pai e a figura central da obra que serve de base a este romance, que a vingança assalta o corpo de Félix, com Shakespeare a tomar as rédeas da sua alma, obviamente, levando-o a criar um clima de agitação, não apenas, atmosférica, como também, a nível moral e espiritual, com o intuito de enterrar, de vez, o seu passado e, ainda, a sua filha, Miranda, que divide o nome, igualmente, com a filha de Próspero.

Boas leituras!

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