Gosta de ler? Gosta de criar mundos distantes, na sua cabeça, e colocar pessoas normais em condições extraordinárias e difíceis? Se sim, já alguma vez pensou em passar essas ideias para o papel? O que é ser escritor nos dias que correm? Quais são as consequências desta decisão para quem a toma? Como funciona o processo de escrita quando um autor se senta na sua secretária, liga o computador, ou pega numa caneta e num caderno, e tem, perante si, uma folha em branco? Estas foram algumas das perguntas que eu me fiz antes de ler \”Manual de Sobrevivência de um Escritor\”, do premiado e prolífico autor português João Tordo.
Ao fim de 16 anos de carreira e mais de uma dezena de livros publicados, o autor puxa uma cadeira e senta-se, bem perto de nós, para uma conversa, umas vezes, intima, divertida, outras vezes, séria e sem filtros. onde nos demonstra o seu olhar sobre o mundo da escrita e tudo o que orbita em seu redor.
Antes de qualquer outra coisa, quero de agradecer à Maria João Sales Machado, da Penguin Random House Portugal, o envio de um exemplar deste livro, para eu poder ler e trazer-vos a minha opinião. Depois, quero agradecer ao João Tordo, pelo livro que escreveu, e à editora Clara Capitão, pela excelente edição que realizou, porque como o Stephen King diz \”Escrever é humano, editar é divino\”.
É importante salientar que este livro está escrito numa linguagem bastante acessível e pode ser lido por quem gosta de ler, por quem tem curiosidade de saber como funciona o mundo da escrita e, obviamente, por quem quer começar a trilhar o caminho para se tornar escritor. Contudo, por ter esta abrangência, estas 224 páginas não são um manual de escrita, do ponto de vista técnico. Não é um livro que vai ensinar a escrever, de facto.
Divido em quatro grandes temas que são A Escrita, Um Modo de Usar, Efeitos Secundários e Possíveis Interações, a meu ver, este é um livro híbrido, na medida em que mistura fragmentos da biografia do autor, nomeadamente, a forma como ele descobriu a leitura e a escrita, durante a fase da infância, o que nos oferece um lado mais intimista e pessoal.
\”Eu comecei cedo nesta vida de pecado. Na infância, escrevia pequenas histórias e alguma banda desenhada. Tinha uma série chamada \’Gato do Espaço\’ e outra chamada \’Super Amendoim\’. Era obcecado por ficção científica e galáxias distantes, e as minhas personagens tinham nomes estranhos e estrangeiras — Galaxy, Davyd, Laurienne, Jugal.\” — João Tordo
Quando, por volta dos 13 anos, conheceu \”Crime e Castigo\”, de Fiódor Dostoiévski, o primeiro romance que leu, sem saber em que é que se estava a meter, fê-lo de forma compulsiva e devorou-o em três dias.
\”O que a leitura de \’Crime e Castigo\’ deixou em mim foi de outra ordem: um lastro emocional que dura até hoje, a primeira vez que nos livros me identifiquei verdadeiramente com uma personagem e uma situação.\” — João Tordo
Naturalmente, este é um dos muitos livros que o construíram como autor. João Tordo enfatiza que não crê que um escritor, no início da sua carreira, ainda que não tenha qualquer livro escrito e/ou publicado, parta para a escrita, nu, sem qualquer bagagem ou experiência, dado que, na sua opinião, \”Ninguém escreve sozinho, e a tradição literária de cada um – as suas influências, as suas leituras – dita a sua futura mestria ou, pelo menos, uma base sólida onde as preferências aprumam o sentido do gosto.\”
Depois de ler este livro, podem haver pessoas que comecem a achar que tem um tom, a espaços, arrogante e pessimista. Um desses exemplos está no capitulo sobre \”A Edição\”, uma das fases mais impotantes do processo de publicação de um livro.
Mesmo que ele comece por declarar:
\”Olha para o teu trabalho com desconfiança. Adora o que fizeste, mas fica sabendo que é uma merd*. É a primeira versão: todas são uma merd*.\” — João Tordo
Imediatamente, a seguir, reforça o papel do editor neste papel de crescimento do futuro autor, sublinhando:
\”O teu editor vai ajudar-te a seres melhor. Não apenas melhor escritor, mas melhor pessoa. O processo é de humildade, não de humilhação. Agradece o que te aconteceu.\” — João Tordo
Ao abordar a questão \”É sobre o quê\”, que abre o tema \”Um Modo de usar\”, a sua resposta é direta e clara: É sobre ti. Um pouco mais à frente, acaba por completar dizendo:
\”Dentro de ti habitam as vozes. É questão de lhe dares ouvidos. Por vezes, elas surgem de maneira fortíssima e eficaz, tão poderosas que não tens outro remédio senão encher a página em branco.\” — João Tordo
Se há uma frase que é repetida, em todo o livro, quase até à exaustão, essa frase é \”Portanto, tu queres ser escritor\”. Ela, em alguns momentos, pode ser lida, como o início de um conselho amigável, noutros pode ser lida como o início de uma adventência para algum perigo que, por vvezes, está escondido neste mundo da escrita.
Para além deste lado mais ligado à escrita e à leitura, dos imensos escritores e livros citados pelo autor, de elementos mais específicos deste ofício, tal como o enredo, o título, a técnica, ele reflete, vai mais longe, e revela-nos as suas opiniões sobre a ansiedade, a inveja, o sucesso, o dinheiro, o fracasso, a síndrome de escrever um segundo livro, a crítica, a importância que as viagens podem ter durante o processo de escrita, a família como suporte para quem escreve, o poder das drogas e do álcool sobre a criatividade, entre outras coisas.
Este é um livro ao qual vou voltar, várias vezes, mesmo que seja para lerum determinado capítulo, visto que quero seguir o caminho da escrita. Mesmo que não o desejasse, este livro, enquanto leitor, dá uma boa introdução a este mundo fascinante mas, ao mesmo tempo, tão destrutivo, se não soubermos controlar a nossa obcessão de querer contar histórias. Mais uma leitura de 5 estrelas neste ano de 2020.
Foto: João Tordo por Nuno Sampaio
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Sobre o autor:
Nasceu em Lisboa em 1975. João Tordo foi finalista do Prémio Melhor Livro de Ficção Narrativa da Sociedade Portuguesa de Autores (2011 e 2015), do Prémio Literário Fernando Namora (2011, 2012, 2015, 2016), e do Prémio Literário Europeu em 2012. Relembro que venceu o Prémio Literário José Saramago, em 2009, com o romance “As Três Vidas”. É um dos autores contemporâneos mais prolíficos em Portugal, neste momento. Os seus livros estão publicados em vários países, incluindo França, Itália, Alemanha, Hungria, Espanha, México, Argentina, Brasil, Uruguai, entre outros.
Sugestão de Leitura:
Leitores residentes em Portugal:
“Manual de Sobrevivência de um Escritor”, de João Tordo (Companhia das Letras Portugal, Wook):
https://www.wook.pt/livro/manual-de-sobrevivencia-de-um-escritor-ou-o-pouco-que-sei-sobre-aquilo-que-faco-joao-tordo/23935742
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Boas leituras!