Entrevista com Raquel Cupertino, do blog PtAnime

Definitivamente, Raquel Cupertino, uma jovem que se, por um lado, lê, avidamente, desde tenra idade, por outro, no passado, era tímida, e o medo tornava difícil que ela se expressasse através da escrita, que dissesse aquilo que pensava com palavras e que pensasse que era impossível falar em público. No entanto, com o tempo, viaja pelo mundo da ficção, da aventura, da fantasia, da banda desenhada, nomeadamente, a que vem do país do sol nascente. Lê, diariamente, mangás e vê animes e, há 7 anos, um blog chamado PtAnime, mudou-lhe a vida. A menina , que durante anos, se fechava dentro de uma espécie de casulo, hoje, para além de ser relações públicas no site, é palestrante de cultura pop e, para terem uma noção, já discursou na Universidade do Minho e na Comic Con Portugal. Venham conhecê-la melhor numa entrevista divertida e inspiradora.

I – Hábitos de Leitura

SEL – Como te tornaste leitora?
Raquel Cupertino –
Antes de mais, quero agradecer pelo convite e todo o carinho. É um prazer falar contigo e fazer parte da tua seleção de entrevistados. Quanto à pergunta em si, não te consigo responder com a exatidão que ela exige. Comecei a ler muito cedo. Aos 7 anos, já lia livros, em prosa, segundo os meus pais. Recordo-me, contudo, da primeira saga de “livros grossos”, que li: “Uma Aventura”, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, uma série, editada pela Editorial Caminho, que marcou a minha vida enquanto leitora e, claro está, enquanto amante do género de aventura.

SEL – Na tua família, tens alguém que goste de ler?
Raquel Cupertino –
Infelizmente, não tenho. Sou a única com particular gosto pela leitura em toda a família.

SEL – Lembraste de qual foi o primeiro livro que leste, na íntegra?
Raquel Cupertino –
Como referi, na resposta anterior, comecei a ler demasiado cedo para te conseguir precisar um “primeiro livro”. Todavia, lembro-me de um da saga “Uma Aventura” que me marcou muito em criança: “Uma Aventura na Casa Assombrada”. Depois desses, e já com 11 anos, fui arrebatada pela saga Harry Potter, de J.K. Rowling, e a minha paixão por livros quadruplicou!

SEL – Quando é que percebeste que este gosto pela leitura era algo sério?
Raquel Cupertino –
Quando desmaiei por ler demasiadas horas seguidas! (riso) Não se assustem, aconteceu mesmo. Mas, encaro isso como uma parvoíce de adolescente viciada em livros. Vou-vos contar porque acho que foi, realmente, um exemplo do quão um livro nos pode envolver: Estava a ler “Harry Potter e a Ordem de Fénix”, devia ter uns 14 ou 15 anos e, para quem não sabe, aquele livro é intenso. Sei que comecei a ler após almoçar pouco e rápido e… só me levantei para o jantar! Devo ter lido, literalmente, umas 7h seguidas, sem comer nem beber nada e, quando me levantei, acabei por perder os sentidos, devido à tensão baixa e quebra de açúcar. Em suma, aprendi que se deve fazer pausas na leitura para fazer as atividades necessárias da vida!

\”O meu género literário preferido é, talvez, aventura. Nos últimos anos, acabei por ler um pouco de tudo e explorar vários autores, desde Joe Hill, Stephen King,  Ransom RiggsDan BrownJohn GreenRainbow Rowell, etc. Claro que a banda desenhada, aqui, possui um papel substancial na minha vida pelo que em paralelo com a prosa, leio, diariamente, manga (banda desenhada japonesa). Apesar de também apostar em aventura, leio outros géneros como comédias românticas e fantasia.\” — Raquel Cupertino

SEL – Na tua experiência de leitura, já houve algum autor que não conhecias e te arrebatou completamente?
Raquel Cupertino –
Hum, já me aconteceu com alguns, mas, vou dar o exemplo de Ransom Riggs, por acreditar que será mais fácil de o reconhecerem. Autor da franquia “Miss Peregrine\’s Home for Peculiar Children”, teve o seu primeiro livro da saga adaptado ao grande ecrã pelo incrível Tim Burton. Pois bem, na altura da sua adaptação, decidi conhecer o autor. A capa era interessante, mas nada sabia sobre a história e/ou a sua escrita. Fiquei deliciada com o universo e achei genial todos os poderes, relações, surpresas.

SEL – Quando estás a ler um livro, qual é a característica que faz com que não largues a história?
Raquel Cupertino –
A construção do enredo. Conseguir criar uma teia de acontecimentos que façam sentido e que me intriguem. E isso é difícil, conseguir um equilíbrio entre o que queremos mostrar ao leitor com as personagens e a coesão narrativa!

SEL – Como marcas as citações que te marcam num livro? Com post-its. sublinhas a lápis, anotas num caderno?
Raquel Cupertino –
Com post-its. Sublinho ou escrevo nos livros, raramente. Não gosto de os “manchar” com a minha letra feia (risos). Faço-o nos livros de estudo, apenas.

SEL – Num mundo cada vez mais globalizado, como vês o aumento de produção de e-books?
Raquel Cupertino –
Acho que faz todo o sentido e que deveriam ser disponibilizados em grande escala e por preços cada vez mais acessíveis. Na minha opinião – e gosto pessoal – ebooks não substituem livros em formato papel. Amo o cheiro a papel, o sentir o virar de cada página, o peso do livro no meu colo. Todavia, a azáfama atual, por vezes, impede-nos de andar com os livros e penso que é aí que entram, e muito bem, os ebooks. Assim, conseguimos ter os nossos livros preferidos sempre connosco, nas nossas carteiras, à distância de um click. Em suma, são dois formatos compatíveis, em que um não anula o outro.

II – Vida de Blogger

SEL – Como foi, para ti, quando te convidaram para fazeres parte deste blog?
Raquel Cupertino –
Foi um desafio! No início, fiquei reticente, muito reticente! Sempre escrevi mas sem qualquer revisão ou apoio. Em boa verdade, na altura era “beta” de um site de fanfics, pelo que estava mais habituada a orientar e comentar histórias de aspirantes a autores, e não tanto ser eu na linha da frente. Como em todos os desafios que envolvam as nossas paixões, foi maravilhoso! Um trajeto do qual muito me orgulho.

\”Há uma década atrás, anime, mangá e cultura japonesa, em geral, não eram considerados tão “mainstream” como agora. Ser-se jovem e/ou adulto e ver anime, naquela altura, era sinónimo de ser-se “esquisito”, um “anormal” e da tua credibilidade ser diminuída e isso roçar o bullying. Não eram tempos fáceis, sobretudo, quando trabalhas e/ou estudas com pessoas que não têm sequer a capacidade de dar uma oportunidade de conhecer um tipo de arte diferente da ocidental. Porque anime e mangá não significa que é para crianças e, mesmo que fosse, cada um tem os seus gostos e ocupa o seu tempo como quiser, desde que isso não limite a liberdade de ninguém. E, infelizmente, nem toda a gente pensava assim.\” — Raquel Cupertino

SEL – Qual é a importância que os eventos como a Comic Con tem tido, na tua visão, para a divulgação dos animes, dos mangás e da arte do Cosplay em Portugal?
Raquel Cupertino –
Acredito que têm tido um papel preponderante. Indiretamente, têm-se tornado numa espécie de “validação” da cultura geek em Portugal. O que antes era uma aberração, hoje em dia, é normalizado. Claro que o surgimento destes eventos coincidiu com o boom da cultura geek ocidental e com a explosão da Marvel e DC. Estes fatores, em conjunto, com a voz de influenciadores digitais como Nuno Markl, que é um grande fã de anime e mangá, levaram a uma progressiva aceitação da cultura geek oriental.

SEL – Achas que o público que gosta desta cultura têm crescido em Portugal?
Raquel Cupertino –
Sim, sem dúvida. Basta vermos o exemplo dos eventos. A primeira vez que fui ao IberAnime, no Porto, deveríamos ser umas 200 pessoas, hoje em dia passam as 30 000!

SEL – Qual é a tua opinião, dado que vives em Braga, sobre a criação de eventos com esta temática em Portugal?
Raquel Cupertino –
Acho que deveriam de existir mais eventos de pequena e média envergadura espalhados pelo país. Infelizmente, os grandes eventos continuam a ser centralizados no Porto e em Lisboa,sobretudo, Lisboa, pelo que acredito que todos beneficiávamos em alargar a mais concelhos. Não falta potencial!

\”Penso que, por um lado, passa muito pela educação que os pais transmitem aos seus filhos, da liberdade de gostos e no incentivo à curiosidade em conhecer; por outro, pelos media televisivos e influenciadores digitais. Está na altura de criar programas sobre cultura pop com pessoas que conheçam a mesma e que possuam um espírito aberto para discutir sobre os mais variados temas. A pedagogia também se dá na televisão. Os pais precisam de conhecimento para poderem educar, da melhor forma, os seus filhos; os jovens precisam de melhores exemplos na TV e no Youtube, logo, apostaria num melhor conteúdo nesses meios.\” — Raquel Cupertino

SEL – Para ti, qual é a característica essencial que alguém que queira ser blogger deve ter?
Raquel Cupertino –
Comprometimento, resiliência, persistência e paixão. São quatro, eu sei, mas qualquer uma se enquadra e todas estão unidas num pack!

SEL – Na tua opinião, o que é mais difícil para quem quer iniciar este caminho?
Raquel Cupertino –
A gestão de tempo! Ser blogger significa que todo o teu tempo livre – ou grande parte dele – é passado no blog. É passado a escrever, a pensar em conteúdos diferentes, a avaliar a programação, a avaliar aspetos técnicos, que podem ser aborrecidos, a lidar com pessoas que comentam coisas menos boas, a lidar com muitos nãos, a lidar com muita incompreensão. Se não te conseguires gerir, vais sentir que é tudo “demasiado” para ti e vais sentir que estás a “sufocar” com tudo o que se passa à tua volta. A maior dica que posso deixar é: Gere o teu tempo de modo a que só dedicas x tempo a comentários, y tempo a escrever, z tempo a tratar da manutenção do site, etc.

SEL – O que gostarias de ter sabido antes de começar esta aventura?
Raquel Cupertino –
Que parar não é opção. Se queres ser blogger, és blogger a tempo inteiro. Não tiras férias, fins de semana, dias de folga. Não. Se os tirares, vais perder. Vais perder uma parceria, uma marca, um seguidor, mas perdes. Se parares, perdes inclusivé parte do trabalho que tens vindo a executar até àquele momento.

SEL – Como te organiza e planeia o tempo que tem e a publicação dos conteúdos?
Raquel Cupertino –
Eu trabalho,, principalmente, de tarde e de noite, pelo que, muitas vezes, quando chego a casa, já passa das 22h. Apesar de ser tarde, já me habituei a trabalhar no ptAnime até à 1h da manhã. O que tento é fazer as tarefas por ordem de prioridade e deixar tudo o que seja de escrita criativa para o fim de semana, que é quando tenho mais tempo e cabeça para desenvolver algo coeso.

SEL – Como lidas com os comentários negativos?
Raquel Cupertino –
Salvo se forem ofensivos – aí nem respondo – tento compreender o outro lado. Por vezes, são visões diferentes sobre a mesma obra, apenas. Tento não ligar muito. Todavia, os piores comentários são aqueles onde acham que vivemos a 100% disto, ou que recebemos algo para escrever, e fazem críticas mesmo más. Ouvires isto quando dás o teu melhor, por algo que amas fazer, dia após dia, DEPOIS de estares o dia TODO a trabalhar, custa. Enfim!

SEL – Depois de 7 anos a colaborar com o PtAnime, qual é o teu balanço?
Raquel Cupertino –
Muitooooo positivo! Fazer parte do ptAnime mudou a minha vida, e consigo dizer isso com a maior firmeza do mundo. Até entrar, não tinha grandes sonhos ou paixões, era tímida, tinha medo de escrever o que pensava e falar em público era impossível para mim. Neste projeto, acabei por conhecer imensa gente que, neste momento, são meus amigos próximos, aprendo imenso com todos eles. Com o ptAnime, acabei por lentamente perder o medo de escrever o que pensava, perdi o medo de escrever. E mudei, mudei aos poucos e poucos, ao longo destes 7 anos. Atualmente,, sou relações públicas no website mas, também, palestrante de cultura pop. Imaginem, a menina, que vomitava antes de uma apresentação de tão nervosa estar, a fazer palestras na Universidade do Minho – OficialComic Con Portugal, etc. Tem sido uma jornada incrível e à qual aconselho a todos: façam parte de um projeto, saiam da vossa zona de conforto, experimentem novas formas de arte e sigam o vosso coração!

Foto: Raquel Cupertino/Facebook

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Boas leituras!

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