Entrevista com Lucas Carvalho, do Diário de Leitura

Nesta entrevista repleta de excelentes referências literárias, ficamos a conhecer melhor a trajetória de Lucas Carvalho, criador do blog e canal literário Diário de Leitura, que já conta com mais de 5 anos existência. Apaixonado por Thomas Mann e a mergulhar cada vez mais na literatura de língua portuguesa, este paulistano, com um gosto diversicado e abrangente, não deixa de prestar a sua homenagem a autores como Pedro Nava, Nélida Piñon, Clarice Lispector e Agustina Bessa-Luís.

I – Origens e Hábitos de Leitura

SEL – O que pode revelar das suas origens para todos aqueles que não o conhecem?
Lucas Carvalho –
Nasci em Franca, no interior do Estado de São Paulo, uma cidade próxima à fronteira com Minas Gerais. Quase todos os meus parentes são originários da zona rural, ou de Minas, ou de Goiás, tendo vindo, posteriormente, para o Estado de São Paulo em busca de oportunidades de emprego, dentro do contexto de êxodo rural das décadas de 60 a 80. Franca é uma cidade industrial, dedicada à produção de calçados; os meus pais e todos os meus conhecidos sempre estiveram envolvidos com esse ofício. Fui filho único por quase 10 anos, depois dos quais passei a ter uma irmã.

SEL – Como se tornou leitor?

Lucas Carvalho – É difícil explicar como. Apesar dos meus pais e familiares não serem leitores, sempre me incentivaram a brincar e me envolver com jogos e atividades educativas, em parte, porque não era dado aos esportes e brincadeiras ao ar livre. Num segundo momento, passaram a comprar livros infantis e gibis, além de me levarem à biblioteca municipal, neste caso, por iniciativa minha. Também, na TV, eu assistia a muito conteúdo educativo de alta qualidade, como o \”Castelo Rá-Tim-Bum\”, um importante programa infantil dos anos 90, da TV Cultura. Tudo isso, somado a um pendor natural para a introspecção, creio que me tornou um leitor.

SEL – Na sua família, tem alguém que goste de ler?
Lucas Carvalho – Na geração mais velha, não, infelizmente. Dentro da geração mais nova, porém, alguns leitores vão surgindo, a minha irmã, inclusive. Para ser justo, devo mencionar que até uma tia, ultimamente, passou a se interessar pela leitura.

\”Na minha infância, houve muitos livros infantis repletos de ilustrações e parcos em textos; provavelmente, foi um desses que li, na íntegra, pela primeira vez. Entretanto, o livro mais “sério” que me lembro de ter lido foi um do meu pai, trazido da sua juventude, intitulado \”O Estudante\”, de Adelaide Carraro, que abordava o problema das drogas numa família de classe média.\” — Lucas Carvalho

SEL – Quando é que percebeu que o seu gosto pela leitura era algo sério?
Lucas Carvalho – Penso que não houve um momento determinado; o tornar-me leitor foi, sempre, um processo orgânico e gradual.

SEL – Tem algum género literário, algum(a) autor(a) favorito(a)?
Lucas Carvalho – Sou um grande entusiasta das sagas familiares. Também gosto bastante de ensaios. Thomas Mann, talvez seja o meu escritor favorito. Nélida Piñon, Clarice Lispector e Agustina Bessa-Luís são outros nomes que, a cada dia, se tornam mais queridos.

SEL – Na sua experiência de leitura, já houve algum autor que não conhecia e te arrebatou completamente?
Lucas Carvalho – Pedro Nava. Pedro Nava foi um médico brasileiro que sempre esteve imerso nos círculos intelectuais mais seletos do século XX. Entrar em contato com a sua saga memorialística, iniciada por \”Baú de Ossos\”, foi uma experiência arrebatadora e transformadora, na medida em que fixei os meus pés no Brasil e passei a amá-lo e a querê-lo bem com nunca o fizera, antes.

\”O que mais prezo na literatura é uma certa vocação profética, isto é, a de desvelar, de algum modo, aos olhos do mundo, aquilo que estava oculto, colocando-o à vista; sempre que percebo isso numa obra, seja pela psicologia dos personagens, seja pelo comentário social, seja ainda por reflexões mais abstratas, fico cativado.\” — Lucas Carvalho

SEL – Como marca as citações que te marcam num livro? Com tirinhas. sublinha a lápis ou anota num caderno?
Lucas Carvalho – A princípio, conservava os meus livros imaculados; depois, passei a usar tirinhas; agora, faço anotações a lápis, somente.

SEL – Num mundo cada vez mais globalizado, como vê o aumento de produção de e-books?
Lucas Carvalho – Não me assusto com os e-books; percebo-os como um fenômeno paralelo e auxiliar ao consumo e leitura de livros físicos, jamais como substitutos destes. Acho que a experiência contemporânea já prova que o livro físico sobreviverá muito bem, como o produto tecnologicamente eficiente que ele é.

SEL – Tornou-se um leitor mais exigente e com um olhar crítico mais apurado depois destas experiências com o blog e o canal?

Lucas Carvalho – Com certeza. Sair do universo da leitura solitária, e passar ao palco onde se deve falar sobre os livros, transformou o olhar com que os leio, a forma como os retenho na memória, além de aperfeiçoar a minha expressão oral.

II – Literatura de Língua Portuguesa

SEL – O que pensa de prémios literários como o Prémio José Saramago, o Prémio LeYa ou o Prémio Camões, na divulgação da língua portuguesa?

Lucas Carvalho – Confesso que, dentro dos mencionados, acompanho, apenas o Prêmio Camões. Acredito muito no potencial dos prêmios que congregam os vários países lusófonos, visto que vejo potencial no fortalecimento e consolidação das nossas culturas que esse intercâmbio pode proporcionar.

II – Blog

\”Criar um blog, para mim. foi um ato de ousadia e liberdade. Chegou um momento em que não me contentava mais com ser só um leitor de preleções sobre os livros; era preciso participar ativamente do diálogo maior da cultura; E, apesar dos vídeos constituírem uma plataforma preciosíssima, sinto que só a escrita proporciona a cristalização do pensamento capaz de sobreviver ao tempo e inseri-lo nas esferas mais elevadas de produção cultural.\” — Lucas Carvalho

IV – Booktube

SEL – Na sua opinião, o que é mais difícil para quem quer iniciar este caminho e se tornar booktuber?
Lucas Carvalho –
Aceitar que o crescimento não é exponencial, sendo precisa muita paciência para conquistar um público fiel.

SEL – Qual é a sua opinião em relação às parcerias com autores e/ou editoras?
Lucas Carvalho – Penso que esta ainda é uma relação incipiente. As editoras só começaram a enxergar o potencial dos booktubers, como sucessores na capacidade de influenciar, quando a imprensa tradicional deixou de o ter. Um pouco da demora, nesse processo, inclusive, se deva aos próprios booktubers, que não se viam como agentes culturais e, por essa razão, merecedores de crédito, incentivo e recompensa. Tento, na medida do possível, promover a autovalorização dos booktubers.

SEL – Para você, quais são as 3 maiores vantagens e as 3 maiores desvantagens de pertencer ao Booktube?
Lucas Carvalho – Vantagens: poder se expressar; trocar informações e afetos com outros leitores; e sentir-se um agente cultural com alguma capacidade de contribuir para a cultura nacional, mesmo que modestamente; Desvantagens: deixar de ler para produzir vídeos; e envolver-se em excesso com as redes sociais e, com isso, perder a concentração. Não saberia mencionar uma terceira desvantagem; poderiam ser os “haters”, mas, graças ao bom Deus, nunca tive esse problema; porém. outros colegas já tiveram.

\”Por não morar em capitais, mas sim no interior, nunca frequentei eventos literários, dada a sua escassez fora dos principais centros. Nesse sentido, posso dizer que o movimento que se faz de interiorizar esses eventos é o que há de mais importante a fazer. Não é tão difícil ser leitor em São Paulo ou no Rio de Janeiro; o mesmo não pode ser dito, porém, de ser leitor em Franca ou Araraquara, só para citar duas cidades em que morei.\” — Lucas Carvalho

SEL – Como se organiza para produzir os conteúdos para o canal?
Lucas Carvalho – Durante a semana e aos domingos, procuro ler, reservando os sábados para a produção de vídeos. Entre ler e produzir, boa parte do meu tempo livre acaba sendo consumido.

SEL – Tem algum ritual antes de começar a gravar?
Lucas Carvalho – Me persigno, apenas (risos). Sou uma pessoa com a mania da persignação.

SEL – Como lida com o feedback negativo nos seus vídeos?  
Lucas Carvalho – Em mais de cinco anos, quase nunca tive feedback negativo, e, quando tive, nunca foi excessivamente agressivo.

SEL – Como vê o aumento dos canais literários no seu país?
Lucas Carvalho – Vejo com muita alegria. Sou totalmente contrário a qualquer cerceamento da possibilidade dos leitores expressarem as suas impressões, publicamente, Independentemente da qualidade e capacidade em fazê-lo.

\”Não considero que os meus gostos literários tenham mudado. Contudo, pude conhecer muitos títulos e autores. Talvez, na minha opinião, o que tenha mudado foi prestar mais atenção à necessidade de procurar, ativamente, ler mulheres, minorias, obras provenientes de contextos que escapam ao círculo anglo-saxão de referências.\” — Lucas Carvalho

SEL – Para terminar, o que diz o seu “eu literário”, neste momento?
Lucas Carvalho – Meu “eu literário” anda obcecado com a descoberta de Portugal, da Península Ibérica e dos países lusófonos de África; por isso, ele diz que todos deveriam se engajar nesse projeto de ganhar consciência da riqueza cultural que compartilhamos, e assim nos ajudar e promover, mutuamente, nesse mundo tão indiferente à nossa língua e experiência humana.

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