O anúncio da verdadeira identidade dos autores que, há vários anos, assinavam, sob o nome de Carmen Mola, como se fossem uma única mulher, que conquistou a crítica e os leitores, através de uma trilogia iniciada com \”A Noiva Cigana\”, tendo sido considerada como a \”Elena Ferrante espanhola\”, foi realizado durante a cerimónia de entrega do Prémio Planeta para romances inéditos escritos em castelhano cujo valor monetário atribuído ao vencedor é de 1 milhão de euros.
Até ao último dia 15 deste mês, tudo aquilo que era do conhecimento público sobre este fenómeno editorial resumia-se à informação compactada numa pequena biografia, que ainda pode ser consultada online. “A autora, nascida em Madrid, decidiu manter o anonimato”, pode ler-se no texto que é acompanhado pela foto a preto e branco de uma mulher de costas.
Em terras portuguesas, em maio deste ano, a Suma das Letras Portugal, chancela da Penguin Random House, publicou \”A Noiva Cigana\”. É esse o thriller que inaugura a saga da detetive Elena Blanco, uma “mulher peculiar e solitária que adora grappa [uma bebida alcoólica italiana], karaoke, carros clássicos e relações sexuais em [carros] todo-o-terreno”.
Coincidência ou não, a escolha do nome da protagonista, o mistério em torno da identidade que está na base do surgimento de Carmen Mola, garantiu-lhe o título de “Elena Ferrante espanhola”. Esta narrativa destacou-se por ser violento e viciante, tendo no centro de tudo os crimes mais macabros. O facto de ser escrito sob um pseudónimo elevou a obra a fenómeno de vendas. Depois deste primeiro volume, seguiram-se \”La Red Púrpura\”, em 2019, e \”La Nena\”, em 2020, ainda sem publicação por cá. Até agora, somaram-se 400 mil exemplares vendidos e traduções em 11 idiomas. Só que, neste momento, \”La Bestia\”, que não faz parte da mesma coleção — passa-se em 1834, durante a epidemia de cólera em Madrid, e tem o assassinato de crianças pobres como mistério —, veio revelar toda a verdade.
Para entender melhor o contexto, o melhor é começar pelo início. No ano de 2018 chegou às mãos de María Fasce, editora das editoras Alfaguara Negra e Lumen, o manuscrito de \”A Noiva Cigana\”. Era exatamente aquele tipo de thriller que procurava há muito, ainda que o facto de ser assinado por um pseudónimo fosse o cenário pouco comum. Não se sabe quando é que Fasce teve conhecimento dos três nomes envolvidos, mas o certo é que o livro avançou, foi um sucesso imediato e rapidamente estavam a aparecer entrevistas a Carmen Mola por todo o lado.
“Somos três amigos que certo dia, há quatros anos, decidiram juntar o talento para contar uma história.” — Jorge Diaz
“Tínhamos de escrever algo sobre ela [na descrição da autora presente no primeiro livro]. Então vamos lá. Inventámos que era uma professora de Madrid. Como também podia ter sido degustadora de gin tónico […] Umas vezes dissemos que tinha dois filhos, mas depois esquecemo-nos e passou a ter três… Não temos sido muito rigorosos, não.” — Antonio Mercero
“Decidimos escrever um romance entre os três como uma diversão”, contou Jorge Díaz na entrega de prémios. “Pensávamos que ninguém iria ler um livro onde aparecessem três nomes na lombada. E procurámos um pseudónimo.” Estiveram pouco mais de um minuto a debitar nomes de homens, mulheres e estrangeiros. Um deles disse “Carmen”, outro sugeriu “Mola”. Caso encerrado.
De acordo com os agora conhecidos autores, o nome feminino é puro acaso. “Não nos escondemos atrás de uma mulher, mas sim atrás de um nome. […] Não sei se o pseudónimo feminino vende mais que o masculino, não tenho a menor ideia, mas não me parece”, garantiu Mercero.
Cada um dos três já tinha títulos publicados com os verdadeiros nomes ou créditos em projetos televisivos. Jorge Díaz, de 59 anos, foi guionista em “Hospital Central” e “Hermanas”, escreveu \”Cartas a Palacio\” e \”Yo Fui a EGB\”, entre outros. Antonio Mercero, 52 anos, filho do responsável por “Verão Azul”, também ele chamado Antonio Mercero, foi co-criador de “Hospital Central” e guionista de “MIR”. Agustín Martínez, de 46 anos, é escritor e tem disponível com tradução portuguesa \”Monteperdido\”.
“Temos mentido como patifes há quatro anos e uns meses”, admitiu Jorge Díaz ao El País. “Desde o meu último romance passou muito tempo e mais do que uma pessoa me recriminou por não estar a escrever nada, que era um preguiçoso. E eu pensava: ‘Se tu soubesses…’.”.
Este trio de autores fazem eco das palavras de Roberto Saviano sobre o pseudónimo como forma de focar a atenção apenas na obra.
“Há algo de muito saudável no eliminar da obsessão pelo autor, por saber quem é, como se veste, que vida tem.” — Agustín Fernández
Desta forma, Agustín procura que a análise do caso Carmen Mola se concentre nos seus escritos e retire a carga identitária ao assunto que, meras 24 horas depois de os três escritores se terem revelado ao mundo, dominava as atenções.
“Se Carmen Mola funcionou, é porque as histórias agradaram aos leitores. Desprendermo-nos do ego é difícil, mas tentámos deixá-lo de fora. No fundo, nós não somos assim tão importantes.\” — Agustín Fernández
\”La Bestía\”, que venceu o Prémio Planeta, ainda não tem data anunciada de publicação, mas não é preciso ser vidente para adivinhar que os três primeiros livros de Carmen Mola (ou de Jorge Díaz, Antonio Mercero e Agustín Martínez) vão fazer um sprint em direção aos primeiros lugares dos tops de vendas — e, provavelmente, não apenas em Espanha.
Foto: Os três autores com o prémio Planeta por Quique García
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Sugestão de Leitura:
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”A Noiva Cigana”, de Carmen Mola (Suma de Letras Portugal, Wook):
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