“A trança”, de Laetitia Colombani

A obra de estreia de Laetitia Colombani que, para além de escritora, é realizadora de cinema, atriz, cenógrafa, chegou a Portugal, em março de 2018, pela Bertrand Editora. Quanto ao Brasil, foi a Editora Intrínseca que a publicou em janeiro deste ano. Esta narrativa comovente está a ser adaptada para a sétima arte.

\"\"
Fonte: Bertrand Editora

Nas duzentas páginas que compõem este livro, a autora leva-nos a viajar até à Índia para conhecer Smita e a sua filha Lalita. Elas são dalits, ou seja, intocáveis, fazendo parte daqueles a quem Gandhi chamava os filhos de Deus: sem casta, fora do sistema e excluídos de tudo.

Contudo, aos olhos das castas superiores, se os dalits nasceram para sofrer e não possuir nada, as mulheres destes merecem ainda menos, dado que, frequentemente, são vitimas nas mãos da família e do marido.

Por outras palavras, são a parte impura da sociedade, o que faz com que só tenham acesso às ocupações indignas e nojentas, nomeadamente, limpar as latrinas das casas dos mais poderosos da aldeia de Badlapur.

Como se tudo isto já não fosse suficientemente mau, ainda têm de suportar humilhações diariamente e horrores às mãos dos jatts.

Smita vive na periferia, e é de lá que quer afastar a sua filha tentado dar-lhe algo que não lhe é permitido pela sua condição social – Lalita não pode ir à escola ou ter acesso à educação.

Dona de uma escrita simples, mas repleta de dureza, Laetitia descreve daquelas gentes, que vitimiza e violenta a mulher, cortando-lhe todos os direitos e oportunidades, sem qualquer piedade ou sinal de respeito.

“Smita recusa-se. Lalita tem de ir à escola. Perante a sua determinação, Nagarajan acabou por ceder. Conhece a sua mulher, a sua vontade é poderosa. Aquela pequena dalit de pela escura, com quem casou há dez anos, é mais forte do que ele. (…) Smita sorriu secretamente com a vitória. (…) Smita sabe que tem sorte: Nagarajan nunca lhe bateu, nunca a insultou. Quando Lalita nasceu, até concordou em ficar com ela. Não muito longe dali as raparigas são mortas à nascença. Nas aldeias do Rajastão, enterram-nas vivas, põem-nas numa caixa debaixo da areia, logo após o nascimento. As meninas levam uma noite a morrer. (…) A minha filha saberá ler e escrever, diz para consigo, e esse pensamento alegra-a. Sim, este é um dia que recordará toda a vida.” — Laetitia Colombani

Se a vida não se avizinha nada fácil e o sol sorri poucas vezes para esta dalit, a vida de Giulia é digna de um conto de fadas. A adolescente siciliana vive numa bolha. O seu ambiente familiar é tão protegido e quase ancestral que, tal como na Índia, já não parece algo tão comum nos nossos tempos. No entanto, a sua dor é a luta pela presença da mulher num legado de homens: há quase um século que a sua família vive da “cascatura“.

Obviamente, a sua história é bastante mais colorida face às outras duas mulheres. Todavia, o ponto interessante é ver como a autora tece o tal fio muito ténue, como um fio de cabelo, para unir as três histórias, não só pela importância do cabelo, mas por esse lado longínquo do mundo: a Índia.

“O pai vigia os cabelos como a mamma vigia a pasta. Revolve-os com a ajuda de uma colher de pau, deixa-os repousar antes de repetir o gesto, incansavelmente. É um trabalho de paciência e rigor, e de amor também. Às vezes, Giulia põe-se a imaginar as mulheres a quem as perucas se destinam – os homens sicilianos não usam cabelo postiço, são demasiado orgulhosos, demasiado apegados a uma certa ideia de virilidade.” — Laetitia Colombani

Numa busca pela esperança e pela necessidade de se reerguer e reinventar, vamos encontrar, no Canadá, Sarah, uma mulher destroçada. Ela é a única que realmente parece viver no mesmo século que nós, infelizmente, marcado pelos piores motivos: segregação, discriminação e a escravatura imposta pela competição no mercado de trabalho.

De forma ousada e, ao mesmo tempo, delicada, à qual se junta a precisão de uma tecelã, Laetitia Colombani traz-nos em \”A Trança\”, que é o seu romance estreia, uma narrativa incrível que mescla o que é ser mulher nos dias que correm e um desejo ardente de liberdade, através das vidas de Smita, Giulia e Sarah que, sem saberem, vão acabar por ter os seus destinos entrelaçados, ainda que vivam em três continentes diferentes e tenham vidas e realidades distintas.

Foto: Laetitia Colombani por Céline Nieszawer

Caso queira adquirir estes, ou quaisquer outros livros, apoie o Sonhando Entre Linhas, usando o link de afiliado da Wook:
https://www.wook.pt/?a_aid=595f789373c37

Sobre a autora:
Lætitia Colombani, filha de bibliotecária, nasceu em Bordéus em 1976. Teve um percurso académico marcado pela paixão do cinema e, depois de estudar na Ciné-Sup durante dois anos, licenciou-se na Escola Superior Louis Lumière. É realizadora de cinema, atriz, cenógrafa e escritora. \”A Trança\” é o seu romance de estreia.

Sugestão de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
\”A Trança\”, de Laetitia Colombani (Bertrand Editora, Wook):
https://www.wook.pt/livro/a-tranca-laetitia-colombani/19741893

Leitores residentes no Brasil:
\”A Trança\”, de Laetitia Colombani (Editora Intrínseca, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/a-tranca-1-ed-2021/artigo/168aa53d-7db4-41ae-82ae-7132454ae6fe

Também estamos no Instagram:
https://www.instagram.com/sonhandoentrelinhas/

Boas leituras!

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top