Com 31 anos, pela autoria de \”La Plus Secrète Mémoire des Hommes\”, o seu quarto romance, com edição da casa editorial francesa Philippe Rey, em parceria com a editora senegalesa Jimsaan, Mohamed Mbougar Sarr coloca, pela primeira vez, a África subsariana no mapa das regiões com autores agraciados com este que é o mais consagrado galardão literário francês.
O jovem escritor senegalês, que concorria com aura de “favorito”, destacou-se num grupo de finalistas com nomes como Christine Angot, autora de \”Le Voyage dans l’Est\”, Sorj Chaladon, autor de \”Enfant de salaud\” e Louis-Philippe Dalembert, autor de \”Milwaukee Blues\”, sucedendo assim a Hervé Le Tellier que, no ano passado, venceu com o romance \”L’Anomalie\”, cuja edição portuguesa foi publicada sob o título de \”A Anomalia\” pela Editorial Presença, com tradução de Tânia Ganho.
Seleccionado, como sublinha o prestigiado jornal Le Monde, para “todos os grandes prémios de Outono” que animam a temporada editorial em França (tendo sido finalista do Prémio da Academia Francesa e do Prémio Renaudot), o romance agora coroado narra a busca de um jovem escritor (um evidente duplo do autor, sublinha o crítico daquele diário parisiense) assombrado por um livro publicado em 1938, \”Le Labyrinthe de l’inhumain\”, de um certo T. C. Elimane, o “Rimbaud negro”, coqueluche da Paris do período entre guerras que viria a cair em desgraça, acusado de plagiar múltiplos clássicos da literatura ocidental.
Ao cruzar diversas geografias (França, Senegal, Países Baixos, Argentina), épocas (Primeira Guerra Mundial, anos 30, ocupação alemã, actualidade) e géneros literários (diário íntimo, correspondência, romance de aprendizagem…), \”La Plus Secrète Mémoire des Hommes\” configura-se como uma meditação, por vezes cómica, sobre a literatura: \”A literatura; nada mais restava e nada mais restaria do que a literatura; a indecente literatura, como resposta, como problema, como fé, como orgulho, como vida”, lê-se a páginas tantas.
Embora grandemente inventado, o velho escritor caído em desgraça que Mohamed Mbougar Sarr coloca no centro desta sua narrativa não é uma personagem 100% ficcional, dado que o autor se inspirou assumidamente no destino do maliano Yambo Ouologuem (1947-2017) que, após ter vencido o Renaudot em 1968 com o seu romance de estreia, \”Le devoir de violence\”, viria a ser acusado de ter-se apropriado de passagens de livros de Graham Greene e André Schwartz-Bart. Humilhado, acabaria por regressar ao Mali, tendo permanecido praticamente em reclusão até ao final da vida.
Co-editado por duas casas “modestas”, como lhes chama o Nouvel Observateur – a Philippe Rey e a Jimsaan –, a obra de Mohamed Mbougar Sarr é “o contrário de um romance nascido para vencer\”: “Nem Gallimard, nem Grasset, nem Seuil, portanto. E Mbougar Sarr também não faz de todo parte do ‘meio’. Desembarcado em Compiègne (na região do Oise) após concluir os estudos secundários no Senegal, não trabalha em qualquer editora parisiense, continua a morar no Oise e não tinha, antes de chegar à Philippe Rey, sido publicado noutra editora que não a Présence Africaine.”
\”Terre Ceinte\” (Présence Africaine, 2014), \”Silence du Choeur\” (Présence Africaine, 2017) e \”Les Purs Hommes\” (Philippe Rey, 2018) são os anteriores romances do autor, o mais novo dos sete filhos de um médico e de uma dona-de-casa, que deixou o Senegal para prosseguir os estudos superiores em ciências sociais.
O livro, que já conheceu várias reimpressões, trouxe também um número-recorde de pedidos de tradução à sua editora: De acordo com o Nouvel Obs, havia já 23 países interessados, antes mesmo do anúncio do Goncourt.
Par os leitores portugueses, Mohamed Mbougar Sarr não está, até ao momento, traduzido em Portugal.
Desde a sua criação, em 1903, o Goncourt distinguiu escritores como Marcel Proust, Elsa Triolet, Simone de Beauvoir, Romain Gary, Patrick Modiano, Tahar Ben Jelloun, Érik Orsenna, Amin Maalouf, Jonathan Littell, Mathias Énard e Leila Slimani e Éric Vuillard, entre outros.
Quanto ao Prémio Renaudot, anunciado imediatamente depois, o galardão acabou por ir parar às mãos de Amélie Nothomb, pelo seu 30.º romance (escreve um por ano…), \”Mauvais Sang\”, editado por Albin Michel. Escrito como uma homenagem ao seu pai, o diplomata belga Patrick Nothomb, que faleceu em 2020, no primeiro dia do primeiro confinamento, o livro transformou-se num meteórico bestseller, estando já prevista uma nova edição de mais cem mil exemplares, a somar-se aos 230 mil já vendidos.
Por fim, há uma semana, François-Henri Désérable venceu, por sua vez, o Grande Prémio do Romance da Academia Francesa com \”Mon Maître et Mon Vainqueur\”, um livro publicado pela Gallimard.
Foto: Mohamed Mbougar Sarr por Eric Fougere
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Boas leituras!