“A resistência”, de Julián Fuks

A partir de 212 páginas, Julián Fuks, autor brasileiro, nascido em São Paulo, com raízes fixadas no país do tango e das pampas, por parte dos seus pais, escreveu \”A Resistência\”, um romance de auto-ficção, com traços biográficos transmitidos pelo narrador Sebastián, através de capítulos curtos, que possibilitam uma leitura fluída. Com esta narrativa, Julián foi finalista do Prêmio Oceanos e arrecadou, em 2016, o Prêmio Jabuti de Romance e, no ano seguinte o Prémio José Saramago.

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Fonte: Companhia das Letras Portugal

Começo por dizer que esta foi a minha estreia com Julián Fuks que, em Portugal, viu o seu romance mais recente, \”A Ocupação\”, chegar às livrarias, no passado mês de junho, através da Companhia das Letras Portugal, uma das chancelas da filial lusitana da Penguin Random House.

Curiosamente, o primeiro título pensado para o livro que vos trago, hoje, era \”O Irmão Possível\”. Entretanto, quando mais de metade do livro já estava escrito, Chico Buarque lança de surpresa pela mesma editora — a Companhia das Letras — \”O Irmão Alemão\”, narrativa que mistura ficção e realidade para contar a descoberta de um irmão perdido na Alemanha e que aborda também a história do Brasil sob ditadura militar. 

Se por um lado, os dois livros não são muito semelhantes em termos de narrativa e enredo, por outro, o facto de serem 2 obras de auto-ficção, e ambas terem um irmão como figura central, poderia facilmente fazer com que este fosse visto como uma paródia do livro de Chico Buaque, ou um plágio. Assim sendo, no momento em que o livro de Fuks é publicado, ele surge com o título de \”Resistência\”.

Considerada como uma obra de auto-ficção, esta é uma narrativa que nos transporta até à realidade da diratura militar bastante violenta e opressiva que ocorreu, na década de 70 do século passado, na Argentina, num período que ficou cohecido como \”Guerra Suja\” e, consequentemente, a fuga e o exílio que, à primeira vista, não tinha o Brasil como destino final.

Contudo, este retrato tem, como ponto de partida, a adopção de Emi, o irmão mais velho de Fuks. Ainda assim, é através da voz do narrador Sebastián, filho mais novo de um casal de militantes políticos, opositores ao regime vigente, e ambos psicanalistas, que vamos conhecendo toda a trama que sustenta este livro.

“Meu irmão é adotado, mas não posso e não quero dizer que meu irmão é adotado.” — Julián Fuks

Tudo é construido com base nas lembranças que a sua memória vai conseguindo recordar, nas suas próprias viências, no uso da imaginação e e, por esse motivo, não existe uma sequência linear. Outro ponto que chamou a minha atenção foi o extremo cuidado que, ao ler, acabei por notar, na escolha minuciosa do vocabulário utilizado durante o processo de construção do texto. 

Quase de forma instantânea, na introdução, Fuks, após explicar que o seu irmão mais velho é adoptado, confessa:

\”Se a inquietude continua a reverberar em mim, é porque ouço a frase também de maneira parcial – meu irmão é filho – e é difícil aceitar que ela não termine com a verdade tautológica habitual: meu irmão é filho dos meus pais. Estou entoando que meu irmão é filho e uma interrogação sempre me salta aos lábios: filho de quem?\” — Julián Fuks

Mais à frente, Sebastián introduz, para além dessa busca da identidade do irmão, que serve como processo para perceber quem ele é e os motivos que o levam a ser como é, a relação conflituosa com o irmão é o gatilho para a empreitada literária do narrador, que busca nas palavras o refúgio que não encontra em casa. 

Aos poucos, Julián incrementa váris outras camadas a este texto e alterna o drama vivenciado pela sua família com a brutalidade perpretada a todos níveis pelo regime que espalha o terror na ruas de Buenos Aires, recorrendo à orfandade, à aniquilação de pais e cidadãos pela violência exacerbada e pela imposição veemente do silêncio, o que os força a ver o exílio como a sua única solução.

\”No mundo em que viviam meus pais, naquele mundo, invertiam-se mesmo essas lógicas mais incompreensíveis, invertia-se a sordidez para torná-la mais sórdida. Proteger-se era então afastar-se, habitar a rua pelo máximo tempo possível. No mundo em que meus pais viviam, a casa se fizera inóspita.\” — Julián Fuks

Nestas páginas, o substantivo resistência percorre todo o livro e assume, no meu ponto de vista, diversas formas e todas elas revestidas de uma importância indelével. A meu ver uma das frases marcantes deste romance é, sem qualquer margem para dúvida: \”Ter um filho será, sempre, um ato de resistência.\”.

Todavia, a juntar-se à imensa lista de significados que podem ser atribuúdos à palavra \”resistência\”, na minha opinião, de forma inequívoca e indissociável, o exílio tem um peso incotestável.

Sei que se tratava de um exílio, de uma fuga, de um ato imposto pela força, mas não será toda migração forçada por algum desconforto, uma fuga em alguma medida, uma inadaptação irredimível à terra que se habitava? — Julián Fuks

\”Resistência\”, de Julián Fuks, para mim, é muito mais que um retrato da busca pelas origens e pela identidade de um irmão adotado, é um longo texto sobre a ditadura, neste caso, a militar que devastou a sociedade da Argentina, na década de 70, que continua bastante atual nos dias que correm. dado que violência, a opressão e a multiplicidade de silêncios, que são impostos pela força, pela morte, pelo desaparecimento de pessoas, pela falta de liberdade de expressão, pela incapacidade de lidarmos com certas situações e/ou denunciarmos pessoas pelos comportamentos brutais que infligem aos nossos semelhantes, continua a estar bastante presente. Por esse motivos, devemos continuar a resistir e a lutar por aquilo em que acreditamos.

Foto: Julián Fuks por Fernanda Sucupira

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Sobre o autor:
Julián Fuks, filho de pais argentinos, nasceu em São Paulo, no Brasil, em 1981. Publicou o primeiro livro, \”Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e eu\”, em 2004, e com ele ganhou o Prémio Nascente da Universidade de São Paulo. Em 2007 e 2012 foi finalista do Prémio Jabuti e do Prémio Portugal Telecom com os livros \”Histórias de literatura e cegueira\” e \”Procura do romance\”, respetivamente. Também em 2012, foi considerado, pela revista Granta, um dos vinte melhores jovens escritores brasileiros. O romance \”A resistência\” (Companhia das Letras, 2016) valeu-lhe alguns dos mais prestigiados prémios literários de língua portuguesa – Prémio José Saramago, Prémio Oceanos, Prémio Jabuti de Melhor Livro – assim como o Anna Seghers-Preis na Alemanha. \”A Ocupação é o seu quinto romance\”.

Sugestões de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
“A Resistência” – Prémio Jabuti de Melhor Romance 2016 e Prémio José Saramago 2017, de Julián Fuks (Companhia das Letras Portugal, Wook): 
https://www.wook.pt/livro/a-resistencia-julian-fuks/17389049

Leitores residentes no Brasil:
“A Resistência” – Prémio Jabuti de Melhor Romance 2016 e Prémio José Saramago 2017, de Julián Fuks (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/a-resistencia/artigo/a5697242-8d34-4d75-be40-67d3f7360db9

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Boas leituras!

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