Apesar de ser um homem de poucas palavras, André Ouro Verde é fotógrafo, professor e historiador, investe o seu tempo em viagens e investigações minuciosas que, muitas vezes, o afastam bastante de Portugal, o seu país de origem. Autor de “Palestina Sobre Uma Tela”, tornou-se o primeiro escritor a fazer parte da Edições Velha Lenda. Nesta história, de aproximadamente 100 páginas, ele combina, pintura, guerra e a cultura da Palestina e traz-nos uma narrativa que não se pode voltar a repetir. Conheçam-no melhor através desta entrevista.
I – Os primeiros passos na escrita
SEL – A sua decisão de começar a escrever aconteceu por acaso, ou surgiu como uma necessidade?
André Ouro Verde – Para começarmos com pé direito, os meus sinceros agradecimentos pelo convite para esta entrevista. Prossigamos agora. Escrever é uma necessidade vital. Se eu criticar uma acção má, alguém se importa com a minha opinião? Não. Se eu mostrar uma foto triste, a dor dura quanto? Uns segundos. Mas se eu apresentar a crítica e a dor da foto através de uma história, se eu der uma nome e uma forma à dor, aí é diferente. O ser humano é naturalmente estúpido. Vê como sofre um mendigo e não faz mais do que encolher os ombros e seguir com a vida. Porque é estúpido e não consegue entender a dor daquela pessoa. Porque é estúpido e, consequentemente, insensível. E o que devemos fazer com pessoas estúpidas? Explicar lentamente, com cores, as coisas. Qual a melhor forma de fazê-lo? Através de um livro. Eu também sou estúpido. Talvez o maior dos imbecis. É por isso que leio muito, para tentar compreender melhor o que me rodeia. E é por isso que escrever é uma necessidade. É a única forma que tenho de explicar aos outros estúpidos os meus pontos de vista e ideias. Sim, comecei a escrever por necessidade,
SEL – Tem algum ritual que você faz, antes de começar escrever?
André Ouro Verde – Desenho um pentagrama com a trindade invertida no chão e degolo uma cabra. Estou a brincar. (risos) Costumo fumar um habano e beber um bom whiskey velho. Quando estou já a caminhar para a bebedeira, começo a teclar.
II – Carreira como escritor
SEL – Está a preparar algum livro novo? Se sim, o que nos pode contar sobre ele?
André Ouro Verde – Estou, não sei é se a Vicente me vai querer publicá-lo. (risos) O título é \”Os Meninos do Coro\”. Sobre a \”grande\” Igreja Católica. Um bocado forte. Pode-me render um ou dois processos em tribunal e uns quantos inimigos no Vaticano.
\”Escrevam. Os escritores não são feitos de capas e selos editoriais.\” — André Ouro Verde
III – Palestina sobre uma Tela
SEL – Como e quando é que surgiu a ideia para escrever “Palestina sobre uma Tela”?
André Ouro Verde – Não gosto de aprofundar muito a coisa, traz-me más memórias. Aliás, terríveis memórias. Visitei as terras da Palestina e vi os miolos de uma criança serem estourados por um soldado israelita. Foi feio. Foi duro. Algumas injustiças têm de ser contadas. Chorei muito. Protestei muito. Ninguém me quis ouvir. Já me chegaram até a dizer \”Caga nisso, André. É menos um terrorista.\”. Revoltei-me. Não há maldade em crianças de nove anos. Terroristas são os que as matam. Os que as torturam. Protestei e protestei, mas ninguém me ouvia. Como esta gente é toda estúpida, tive de escrever um livro.
SEL – Como é que organizou as ideias para escrever este livro?
André Ouro Verde – Escrevi anotações num diário. Investiguei várias notícias sobre o conflito entre Israel e a Palestina. Resolvi quais deveria de incluir na obra. Depois foi só montar o puzzle.
SEL – Ao escolher a cidade de Ramallah como o ambiente que serve de pano de fundo do seu romance, o que o mais o atrai na cidade?
André Ouro Verde – A sua liberdade e alegria. Ramallah é livre como nenhuma outra e as suas pessoas maravilhosamente vivas, sonhadoras! Pode-se roubar a terra, destruir um lar, tapar a vista com uma muralha, mas enquanto um povo mantém a sua alma… é eternamente livre.
Ramallah cheira a amor.
SEL – Normalmente, os livros de ficção não abordam tanto o ponto de vista dos palestinianos. Porque é que acha que isso acontece?
André Ouro Verde – Racismo. Egoísmo. Covardia. Israel é um país rico e poderoso. Todos sabemos, nenhum povo sofreu como o judeu. No entanto, agora, Israel comete atrocidades semelhantes às dos nazis contra o povo da Palestina. E ninguém lhes diz absolutamente nada. E se disserem, é o escândalo. Afinal de contas, eles não são muçulmanos. Os seus antepassados têm um historial de dor e superação. E têm como aliados os Estados Unidos. Como se condena um país erguido por lutadores, não-muçulmano, que tem como aliado uma das maiores potenciais mundiais? Não se condena. Nem na escrita. Os escritores têm medo de falar de determinados assuntos e acordar na manhã seguinte com um golpe aberto no pescoço. Eu também não durmo muito descansado. Mas as coisas têm de ser contadas. É fácil falar do lado mais forte. E nesta guerra, Israel é o lado forte. O que muita gente desconhece é o número assombroso de israelitas que protestam a favor da Palestina, que condenam os crimes do seu exército e governo, que sonham com a paz. Tanto em Israel como na Palestina são incontáveis os inocentes. Infelizmente, como qualquer país, quem está no poder dita as regras. Às vezes, essas guerras têm como nome a morte. Ninguém mostra o ponto de vista palestiniano porque para a maioria da população mundial ser muçulmano, nos dias de hoje, é o mesmo que ser terrorista. Só haverá paz quando se superar o preconceito e o racismo. Só existirão livros com o ponto de vista palestiniano quando se superar medos e preconceitos… e a sagrada estupidez.
SEL – Pensa que existe uma intenção clara de silenciar aqueles que têm menos voz neste conflito tão duro e desumano?
André Ouro Verde – Obviamente. Quando escrevi este livro e comentei com colegas de trabalho, não queriam que o publicasse. Consideravam-no uma afronta. E o motivo era sempre o mesmo: racismo. Porque para eles os \”palestinianos são terroristas\”; é incrível como nós, brancos e cristãos, conseguimos ver outro ser de carne e osso, idêntico a nós, e considerá-lo menos que lixo. Como os meus colegas, existem muitos outros. Ninguém quer falar dos crimes de Israel. Ninguém contará nada sobre os crimes de Israel. A Palestina será eternamente escrava de Israel. E no dia em que se juntarem para reconquistar a sua liberdade, o mundo apontará o dedo e gritará que é \”terrorismo\”. Porque o mundo não está preparado para aceitar que um país maioritariamente muçulmano vença uma luta pela liberdade. Eu vou dizer isto e que fique imortalizado: os palestinianos riem, choram, sofrem e celebram. Sentam-se à mesa com amigos e família. Dançam e cantam. Os palestinianos amam. Amam muito. E morrem quando perdem quem amam. E o seu Deus? Prega a bondade. Sei que muitos vão detestar esta entrevista e vão querer negar estas verdades. Aí terá, caro Luís, um bom exemplo para comprovar por si mesmo que, sim, existe uma intenção de silenciar este conflito.
SEL – Qual acha que pode ser o papel da arte no processo de mediação deste conflito?
André Ouro Verde – Mínimo, até insignificante. Ajuda a divulgar um pouco as injustiças, mas nada fará contra homens bem armados. A Arte tem tanto de linda como de inútil.
SEL – Em que momento é que você decidiu o título deste livro? Antes de escrever, durante a escrita ou apenas com o manuscrito pronto?
André Ouro Verde – Durante a escrita. A protagonista, Maía, é pintora. E o seu trabalho é retratar a dor e a alegria do seu povo nas suas telas. Pareceu-me indicado o título. Através das mãos de Maía… Palestina Sobre uma Tela.
SEL – Durante o processo criativo, o que é que foi mais difícil?
André Ouro Verde – Nada é difícil com bastante Whiskey.
SEL – Como é que lidou com o bloqueio criativo?
André Ouro Verde – Whiskey.
SEL – Quanto tempo demorou a escrever “Palestina sobre uma Tela”?
André Ouro Verde – Três meses.
Foto: André Ouro Verde
Sugestão de Leitura:
Leitores residentes em Portugal:
**“Palestina sobre uma Tela”, de André Ouro Verde (Edições Velha Lenda, site da editora):
https://www.velhalenda.com/p/palestina-sobe-uma-tela/
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Boas leituras!