Baiana, nascida no interior do estado que viu nascer autores como Jorge Amado e Itamar Vieira Junior, a jovem Victória Santana surge como escritora no Wattpad. Uma promissora contadora de histórias e uma voz consciente da realidade que a rodeia. Nas narrativas que escreve aborda diversas temáticas como feminismo, racismo, homofobia, desigualdade social e conjuga-os com outros que, habitualmente, estão em constante discussão na sua vida pessoal, sem esquecer os aspecto geográfico ou étnico, cultural e/ou de género. A autora venceu 1 Wattys Award, prémio da plataforma Wattpad, em 2019, na categoria de Poesia, com “O Desdobrar da Mente Escalando os Sentidos” Nesta entrevista, ela fala das suas origens, da sua carreira, do seu processo de escrita e da fase de publicação. Querem conhecê-la melhor? Venham daí!
I – Origens & Hábitos de Leitura
SEL – O que pode revelar das suas origens para todos aqueles que não a conhecem?
Victória Santana – Sou do interior do estado da Bahia, no nordeste brasileiro, um lugar pequeno que não me permite ver muito do mundo, o que faz com que a minha conexão com a leitura seja ainda maior.
SEL – Como se tornou leitora?
Victória Santana – A minha casa sempre esteve cheia de livros e a minha mãe passava muito tempo a ler e a estudar, então, começei a ler por influência dela, me apaixonei e não parei mais.
SEL – Na sua família, tem alguém que goste de ler?
Victória Santana – Sim, a minha mãe. Ela sempre gostou de ler.
SEL – Você se lembra de qual foi o primeiro livro que leu na íntegra?
Victória Santana – Não posso afirmar com certeza, porque comecei a ler livros sozinha muito cedo, mas nas minhas memórias estão os livros “Ou isto ou aquilo”, de Cecília Meireles, e “Pra que serve?”, de Ruth Rocha.
SEL – Quando é que percebeu que o seu gosto pela leitura era algo sério?
Victória Santana – Acredito que veio naturalmente, comecei a ler algumas obras e achava fascinante como os escritores construíam mundos presos em palavras e me faziam viajar. Depois, apenas senti que era algo para levar para a vida.
SEL – Tem algum género literário e algum(a) autor(a) favorito(a)?
Victória Santana – Sou uma leitora bem eclética e leio praticamente de tudo. Contudo, sempre tive um fascínio por Fantasia e por Thriller Psicológico, e posteriormente, me apeguei a Romances de Época. Não tenho um escritor favorito, mas admiro muito as obras de Augusto dos Anjos, Sidney Sheldon, Tahereh Mafi e J. K. Rowling.
SEL – Na sua experiência de leitura, já houve algum(a) autor(a) que não conhecia e a arrebatou completamente?
Victória Santana – Claro! É comum ocorrer quando nos damos a chance de experimentar algo novo. Senti isso quando li, pela primeira vez, Stieg Larsson, Gail Carriger e Sidney Sheldon.
\”Uma trama envolvente, é muito importante, mas antes mesmo de elementos suficientes sobre ela serem trazidos à história, a narrativa do autor desempenha o papel de me manter presa à leitura. Existem escritores com uma incrível habilidade de tornar a forma como escrevem e as palavras que escolhem em algo extremamente fascinante para o leitor.\” — Victória Santana
SEL – Como marca as citações que mais gosta num livro? Com post-its, sublinha a lápis ou anota num caderno?
Victória Santana – Antigamente, não gostava de marcar citações no próprio livro e usava post-its ou anotava num caderno. Hoje em dia, passei a apreciar a beleza de deixar a sua marca pessoal no livro, seja sublinhando citações ou deixando comentários com lápis ou canetas.
SEL – Num mundo cada vez mais globalizado, como vê o aumento de produção de e-books?
Victória Santana – É inevitável e, em muitos aspectos, consegue aproximar os leitores e levar a literatura para para mais longe. Para leitores de outras gerações, que não entraram nesse mundo diretamente a ler e-books, a emoção de ler uma obra em formato físico é insubstituível. Ainda assim, acredito que a arte acompanha as transformações sociais e não seria diferente com a literatura. Por vezes, deparo-me com momentos na minha vida em que leio muito mais e-books do que livros físicos, por poder levá-los para todos os lugares e estarem disponíveis ao alcance do meu celular, por exemplo, permitindo-me manter a leitura constante apesar do cotidiano corrido. Então, acredito que esse aumento de produção é benéfico, desde que sejam produzidos com o respeito que esta arte exige.
II – Os primeiros passos na escrita e a descoberta do Wattpad
SEL – A sua decisão de começar a escrever aconteceu por acaso, ou surgiu como uma necessidade?
Victória Santana – Como uma necessidade, mais um escape para coisas que aconteciam na minha vida e na minha mente. Depois disso, continuou como um espaço de desabafo até eu perceber que se havia transformado em algo maior para mim, por volta dos 15 anos, quando decidi começar a escrever o meu primeiro livro de fantasia.
SEL – Tem algum ritual que você faz antes de começar escrever?
Victória Santana – Nada fixo. Depende muito do que vou escrever ou daquilo que estou a sentir no momento. Há vezes em que procuro deixar tudo em silêncio antes de escrever, outras em que preciso de separar uma playlist para ouvir enquanto escrevo. Mas em geral, não possuo um ritual.
SEL – Pelo que vejo, você é um exemplo da força que as plataformas de escrita, neste caso, o Wattpad, têm na descoberta de novos autores. Como é que o descobriu?
Victória Santana – Faz alguns anos que conheci o Wattpad através do Twitter, algumas pessoas que seguia, na época, comentavam, principalmente, sobre fanfic, e resolvi estudar a plataforma. Descobri obras originais interessantes e resolvi a começar a publicar na plataforma também. Depois de algum tempo, resolvi afastar-me um pouco, mas, em 2018, voltei com força total.
\”Sem ter vivenciado os altos e baixos da experiência no Wattpad – e ainda vivenciá-la, visto que não abandonei a plataforma – não teria a coragem e a preparação para começar a publicar na Amazon.\” — Victória Santana
SEL – Qual foi a característica que mais te fascinou nesta plataforma construída para autores?
Victória Santana – Digo isto, constantemente, em outras conversas sobre o tema e direi aqui também. Além da maneira democrática de possibilitar a publicação e acesso a essas obras, por pessoas que dificilmente conseguiriam, com facilidade, um contrato com uma editora por ainda serem desconhecidas, ou pela própria dificuldade do mercado literário, as plataformas como o Wattpad permitem uma grande interação entre escritor-leitor, através de comentários publicados nos capítulos ou por mensagens diretas. No processo de escrita pública há muito desânimo e essa comunicação constante é capaz de impulsionar, em demasia, o escritor e levá-lo a terminar as suas obras.
SEL – À medida que ia publicando os capítulos do seu primeiro livro, no Wattpad, qual era o feedback dos seus leitores?
Victória Santana – Na minha primeira tentativa no Wattpad, há alguns anos atrás, não consegui muito feedback. Quando voltei e passei a empenhar-me na divulgação das minhas produções, isso melhorou bastante, a minha obra mais famosa na plataforma possui mais de 4.000 comentários, inclusive, e outra, que já retirei do Wattpad, possuía muito mais. A maior parte do feedback demonstra entusiasmo com a trama, personagens e acontecimentos mais marcantes, estimulando-me a continuar. No entanto, obviamente, nem sempre o feedback é estritamente positivo, há críticas e, as vezes, até ofensas, o que é normal quando se disponibiliza uma obra para o público. De qualquer forma, a existência desse feedback leva-me a melhorar e aperfeiçoar a minha escrita.
SEL – Qual foi a importância do Wattpad para o início da sua carreira literária?
Victória Santana – As pessoas que conheci no Wattpad e as obras que li ajudaram-me a fortalecer a ideia de ser escritora e auxiliaram nas melhorias que precisei de fazer antes de dar o próximo passo. Não digo que as coisas estão extremamente fáceis agora, mas sinto-me muito mais preparada para enfrentar os desafios atuais pelo o que aprendi com o Wattpad.
III – Carreira como escritora
SEL – Ao se tornar escritor, e tendo começado como autor independente, qual era a sua visão sobre o mercado editorial?
Victória Santana – Não comecei com uma visão ilusória, já conhecia um pouco sobre o mercado editorial, sobretudo, os seus obstáculos e desafios, mas não nego que ainda possuía o desejo de conseguir um contrato com uma editora. Como escritora independente, como participo em todas as fases de produção e publicação dos meus livros, tenho aprendido muito e vejo que esse perfil de publicação vai crescer cada vez mais, tornando-se a primeira opção para os escritores. Muito disso surge do fato de, infelizmente, o mercado editorial brasileiro ainda apresentar um aspecto excludente, sem pensar nas exceções a essas regras, muitas editoras não publicam sem prévio investimento do autor e, muitos deles, não estão aptos a arcar com essa exigência.
SEL – Está a preparar algum livro novo? Se sim, o que nos pode contar sobre ele?
Victória Santana – Eu tenho um projeto novo, mas ainda não começou a ser produzido, é apenas uma semente neste momento. Estou a adiar sua escrita com o objetivo de terminar alguns livros já iniciados primeiro, cerca de 4 obras que estou a publicar no Wattpad e que, quando estiverem terminadas, irão para a Amazon.
\”Não desistam, se isso é algo que desejam muito para as vossas vidas, o caminho não é fácil e, por vezes, não o atravessamos da forma que imaginamos a princípio, mas as poucas vitórias já são de grande valia. Leiam bastante e procurem o aperfeiçoamento, sempre. No caso de tentarem o mercado editorial independente, aprendam sobre os diversos aspectos do processo de publicação, eles não se restringem à escrita, somente. Procurem expandir o vosso conhecimento e aprenda, sobre diagramação, design gráfico, marketing…\” — Victória Santana
SEL – O que gostaria de ter sabido antes de ter começado a sua carreira?
Victória Santana – Aprendido a lidar melhor com críticas àquilo que escrevo. Com o tempo, está a ficar mais fácil mas ainda é difícil. O resto, foi um processo que gostei de ter aprendido durante a trajetória, com erros e acertos.
IV – Quebrados
SEL – Como e quando é que surgiu a ideia para escrever “Quebrados”?
Victória Santana – Surgiu em 2017, num período em que eu estava como acompanhante da minha mãe num hospital. Passava muitas noites, acordada, observando-a e consegui que levassem o meu notebook, numa noite, a ideia nasceu na minha cabeça e comecei a escrever o primeiro capítulo, apenas, antes mesmo de organizar logicamente toda a trama. Tendo em conta o ambiente em que eu estava no momento em que comecei “Quebrados”, inseri alguns desses elementos na história, como fazer com que a protagonista fosse uma médica e produzir cenas num hospital.
SEL – As suas origens têm ou tiveram alguma influência em alguma das suas obras?
Victória Santana – Têm. Naturalmente, essas influências estão mais presentes em algumas obras do que em outras, mas estão presentes, seja em termos de aspecto geográfico ou étnico, cultural, de gênero… também coloco temas que são importantes e de constante discussão na minha vida pessoal, como feminismo, racismo, homofobia, desigualdade social…
SEL – Como é que organizou as ideias para escrever este livro? Fez um outline, esquemas, construiu uma linha temporal?
Victória Santana – Como expliquei numa questão anterior, não houve um planejamento inicialmente, apenas coloquei as palavras e emoções para fora. Posteriormente, parei e comecei a produzir esquemas e uma linha temporal. Foram extremamente necessários, uma vez que “Quebrados” entrelaça acontecimentos do passado com o presente.
SEL – Quando chegou a fase de criar as personagens, inspirou-se em pessoas reais ou inventou, simplesmente? Leu biografias durante esse processo?
Victória Santana – Não li nenhuma biografia, todos os personagens que crio partem muito mais de um ideal de personalidade necessário para a trama do que duma inspiração numa pessoa real. Obviamente, humanizar um personagem exige que as emoções, comportamentos e reações sejam representações reais, mas não é algo que eu procure em alguém específico, é uma construção que mistura tudo o que já vi e experienciei de pessoas durante a vida.
SEL – Você considera-se uma pessoa extremamente observadora? De que forma você recolheu referências para a construção dos seus cenários?
Victória Santana – Considero-me observadora o suficiente para produzir, na minha mente, as imagens necessárias para a produção escrita. Todavia, houve muita pesquisa, ao mesmo tempo, para tornar as descrições realistas. De toda a forma, no processo descritivo dos cenários, procuro inserir apenas elementos suficientes para impulsionar a criação da imagem, na cabeça do leitor, e dar ênfase aos aspetos psicológicos dos personagens e da trama.
SEL – Como foi, para você, a fase de construção do mundo ficcional onde a história se desenrola?
Victória Santana – Não senti grande dificuldade nesse aspecto em específico, porque o mundo em que se desenrola “Quebrados” é muito centrado em ambientes e acontecimentos sociais bem reais e estabelecidos. O livro é uma ficção, mas gosto de pensá-lo como um retrato da realidade de muitas pessoas no Brasil. Está envolto em dramas e reviravoltas que não estão presente em todas as histórias de vida, mas que podem, de alguma forma, gerar identificação.
SEL – Em que momento é que você decidiu o título deste livro? Antes de escrever, durante a escrita ou apenas com o manuscrito pronto?
Victória Santana – Os títulos dos meus livros ora vêm com muita facilidade ora exigem uma reflexão profunda. Com “Quebrados”, posso dizer que foi no meio do processo de escrita, porque, nos primeiros rascunhos, eu ainda não conseguia imaginar que título seria adequado. Precisei que mais da trama e do conceito da obra se desenvolvessem para que ele surgisse. E fiquei com dúvidas sobre a escolha por muito tempo, mas decidi por mantê-lo.
SEL – Durante o processo criativo, o que é que foi mais difícil?
Victória Santana – Estabelecer bem a personalidade de cada personagem para justificar as suas ações, os comportamentos e garantir a veracidade de muitos elementos, que foram necessários para a obra, como os aspectos jurídicos e médicos.
SEL – Como é que lidou com o bloqueio criativo?
Victória Santana – Desligando-me um pouco da obra, tentando levar a minha mente para outros espaços. Depois, voltando a produzir com a mente mais limpa.
SEL – Quanto tempo demorou a escrever “Quebrados”?
Victória Santana – Quase 3 anos, comecei no meio de janeiro de 2017 e terminei por volta de outubro de 2019.
V – Publicação
SEL – Porque decidiu publicar o livro na Amazon?
Victória Santana – Após pesquisar sobre a plataforma de publicação do Kindle Direct Publishing (KDP), naquele momento, percebi que a facilidade encontrada era a melhor opção.
SEL – Chegou a enviar o manuscrito para alguma editora?
Victória Santana – Não, preferi finalizar a escrita de “Quebrados” para conseguir inscrevê-lo no Prêmio Kindle de Literatura 2019, que exigia a exclusividade de publicação na plataforma.
SEL – Qual é a fase do processo de lançamento que mais te empolga?
Victória Santana – O meu momento de maior animação é quando a obra é publicada, depois, sou acometida por um nervosismo.
SEL – Como é que tem sido o feedback?
Victória Santana – Interessante, por enquanto, tenho gostado muito de conversar com as pessoas que já o leram e saber as suas concepções sobre os acontecimentos e personagens, sinto-me feliz quando as pessoas contam de que forma se relacionaram com a obra e como elas se sentiram tocadas por ela.
SEL – Para terminar, o que diz o seu “eu literário”, neste momento?
Victória Santana – Se, por um lado, o meu “eu literário” está cheio de ideias, por outro, existe alguma dificuldade de as passar para o papel. As muitas obrigações e compromissos, assim como outras questões pessoais, têm me impedido de controlar esse aspeto da minha vida. Mas ele sente-se ansioso para voltar, em breve, com força total.
Foto: Victória Santana/Instagram
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