A editora Clara Capitão, da Penguin Random House Portugal, declara \”O país fechou. Mas não era necessário fechar os livros.\”

Nas palavras de Clara Capitão, editora da Penguin Random House Portugal, \”O país fechou. Mas não era necessário fechar os livros.\” É assim que ela, tal como outros editores e profissionais do mercado editorial português, reagem à decisão cruel, tomada pelo Governo português, de proibir a venda de livros nos hipermercados portugueses.

Depois do primeiro período de confinamento geral que Portugal atravesssou, onde o mercado editorial português, como um todo, registou quebras de vendas de livros na ordem dos 66%, sobretudo, nos primeiros meses após a chegada da pandemia de Covid 19, algo que, de certa forma, estava a ser recuperado ao longo dos últimos meses de 2020, é incompreensível que o governo português, agora, venha não apenas proibir a venda de livros nos hipermercados como também retire o estatuto de bem essencial aos livros que, para muitos portugueses, têm sido \” um objecto de consolo, companhia, escape, apaziguamento, nutrição — o consolo, a companhia, o escape, o apaziguamento, a nutrição possíveis num ano de medo, ansiedade, privação, solidão e perda.\” 

Ao contrário do que aconteceu, no ano passado, durante o primeiro lockdown, em que os livros foram considerados um bem essencial, desta vez, foram excluídos dessa categoria, o que me leva a perguntar: Será que este período é assim tão diferente do que enfrentamos nos messes de março e abril?

Por outro lado, as livrarias foram autorizadas a vender livros à porta, apesar de muitas, nesses mesmos meses, terem decidido fechar as portas, face à escassez de clienyes e de vendas e, consequentemente, aos custos para as manter abertas, uma vez que essa despesa não seria coberta de forma satisfatória. Neste novo período, que começou no passado dia 15, vamos ver quantas se vão manter abertas. 

Do lado das autoridades oficiais, Pedro Siza Vieira, Ministro da Economia e, Graça Fonseca, Ministra da Cultura, ditaram a proibição de venda de livros nas grandes superfícies para evitar. segundo o títular da pasta da Economia, a «distorção do mercado».

\”Qualquer pessoa envolvida no sector dos livros reconhece a necessidade premente de proteger e apoiar os livreiros independentes. Na minha modesta opinião, esse apoio deve ser dado de duas formas: num prazo mais curto, apoiando todos os livreiros que se viram impedidos de abrir ou manter portas abertas. A médio, mas igualmente urgente, prazo, promovendo a necessária revisão da lei do preço fixo, que permita aos livreiros independentes vender livros em condições de igualdade com os seus concorrentes.\” — Clara Capitão

Esta medida de proibição de venda de livros nos hipermercados não só não protege os livreiros (apenas impede os seus concorrentes de vender livros) como fere, de forma grave, a restante cadeia do livro: editores e autores. Quem declara uma medida destas revela uma profunda ignorância do sector do livro. Um livro não é um produto feito em massa numa fábrica. Um livro é, primeiro, um objecto de amor e aturado trabalho do seu autor. E, depois, o resultado de um trabalho longo e minucioso entre autor e editor e de um investimento muito considerável do editor.

\”Quem toma esta medida não sabe como se faz um livro nem quanto custa fazê-lo. Quem toma esta medida talvez não saiba que se publicam e lançam no mercado todos os meses largas centenas de livros novos. Talvez não saiba que os livros têm um ciclo de vida cada vez mais curto nas estantes dos pontos de venda e que, escassos meses após a publicação, podem ser devolvidos na totalidade, interrompendo abrupta e irreversivelmente a sua vida e minguando os rendimentos do seu autor. Talvez não saiba que um autor dedica centenas, ou mesmo milhares, de horas a cada livro que escreve e que um editor investe milhares de euros em cada livro que publica. Talvez não saiba que o sector da edição é um sector de margens mínimas e que a maioria dos autores ganha parcas centenas de euros com cada livro que escreve. Uma medida destas olha apenas para um lado do problema do sector do livro — a necessária e urgente ajuda aos livreiros — e ignora quem o faz.\” — Clara Capitão

No primeiro confinamento, foram anunciadas medidas de apoio que, de acordo com a editora, não podem ser classificadas de outra forma: uma parca esmola. O apoio agora anunciado é igualmente mísero. Não salvará um único livreiro, não salvará um único editor.

Além disso, ela realça:

\”Não venho reclamar mais apoios. Sei bem que uma grande parte dos sectores da cultura sofrem ainda mais do que editores e livreiros. O que reclamo, e não entendo como não é percebido pelos dois ministérios envolvidos, é que deixem o sector funcionar, que não interrompam a cadeia, que não matem o livro.\” — Clara Capitão

Por fim, ela reafirma aquilo que defende:

  • As livrarias não são lugares de risco — deixem-nas funcionar, com condicionamentos, com um cliente de cada vez, porque comprar livros exige demora, exige ver para escolher.
  • Os livros são bens essenciais — e, como tal, devem poder ser vendidos nos lugares onde compramos o pão e o azeite que pomos na mesa.
  • Não fechemos os livros — os livros são lugares de horizontes largos, tão necessários no momento que vivemos.\”


Foto: Clara Capitão/Divulgação

Sobre Clara Capião:
Nascida na cidade do Porto, estudou Línguas e Literaturas Germânicas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Literatura Inglesa e Americana na Harvard University Extension School, em Cambridge, nos Estados Unidos. Começou como editora depois de trabalhar como tradutora e leitora de inglês e alemão. Após três anos na Editorial Presença, assumiu as funções de editora sénior da Objectiva, na altura, uma chancela do Grupo Santillana Portugal. Posteriormente, assumiu o cargo na direcção geral da empresa. Na sequência da aquisição do Grupo Santillana pela Penguin Random House, manteve a responsabilidade de gerir a filial do grupo em Portugal. Vive em Lisboa desde 2005.

Também estamos no Instagram:
https://www.instagram.com/sonhandoentrelinhas/

Boas leituras!

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top