Bernardine Evaristo, vencedora do Booker Prize 2019, inaugura a edição da Flip Virtual 2020

De ascendência brasileira, a inglesa Bernardine Evaristo, autora de \”Rapariga, Mulher, Outra\”, editado em Portugal, pela Elsinore, no passado mês de novembro, com tradução de Miguel Romeira, e pela Companhia das Letras, no Brasil, sob o título de \”Garota, Mulher, Outras\”, com tradução de Camila Holdefer, inaugurou as conversas da 1ª edição virtual da Festa Literária Internacional de Paraty, a 18ª no global, num diálogo bastante interessante com a poeta, escritora e tradutora Stephanie Borges.

Ainda que não existam escritores, leitores e editores a encherdo nas ruas de pedra de Paraty, a Festa Literária Internacional da cidade, a Flip, um dos mais importantes eventos literários do panorama cultural brasileiro, que se realiza há 18 edições, sendo esta a primeira num contexto virtual, devido à pandemia mudial de Covid 19, começou ontem.

\”É realmente animador ouvir que o livro tem relevância no Brasil em termos de experiências negras por aí. O que é interessante é que o romance está a ser traduzido e tem alcançado pessoas em outros países. Eu não pensava numa audiência global, mas amo o fato de ter algum impacto entre as mulheres negras brasileiras.\”  — Bernardine Evaristo, autora vencedora do Booker Prize 2019

Foi desta forma que Bernardine deu início à conversa na FLIP, quando questionada sobre a relevância que o seu 8º romance da carreira, que se foca nas históeias de vida de três mulheres e as diferenças entre elas, que aborda as temáticas de identidade, raça e passa, também, pelo tema da transexualidade. Tudo isso é escito de uma forma nada tradicional que ela define como  \”fusion ficction\”, ou seja, ficção de fusão. Foi assim que ela se sentiu livre para escrever e costurar as histórias das personagens deste romancem elogiado por Barack Obama, Roxane Gay, Ali Smith e Tom Stoppard, entre outros.

Nas suas próprias palavras, ela revela que \”as personagens nasceram quase totalmente formadas\”, continuou ela. \”São mulheres muito diversas e uma pessoa não binária, e era importante que fossem distintas para mostrar um pouco da multiplicidade de quem somos no mundo.\”

\”É experimental na forma e radical no seu conteúdo. A linguagem parece poesia, mas não é exatamente poesia. Acho uma forma muito libertadora de escrever. O livro seria muito diferente se eu tivesse escrito parágrafos tradicionais. Em termos de personagens, no jeito que tentei trazer suas vidas à página.\” — Bernardine Evaristo, autora vencedora do Booker Prize 2019

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Fonte: Companhia das Letras

Nesta narrativa engenhosa, a autora recorre às frases curtas, dispensa a utilização de pontos finais e, assim que essas frases, terminam, ela muda de linha, somente. Pelos vistos, a narrativa desafiant,e que afasta daquilo que é visto, haitualmente, no que toca à forma, arrebatou a crítica e transformou a escritora na primeira mulher negra a vencer o prêmio Booker, um dos mais prestigiosos do mundo.

O fato de romper com a \”gramática ortodoxa\” do inglês, conta, a permitiu novas descobertas sobre a trama e sobre as próprias personagens. \”Eu escrevia e os personagens iam crescendo. Isso é maravilhoso no processo criativo para mim. Algumas personagens são baseadas livremente em pessoas que conheço, ou em mim mesma. Cresci cercada de mulheres negras, encontrei e tive amizades com mulheres negras… Ao escrever este romance, percebi que todas elas foram absorvidas, ao longo de todas essas décadas. De um jeito, elas aparecem. Eu escrevi um livro sobre elas, sobre nós.\”

Por sua vez, Stephanie Borges relembrou Audre Lorde, a escritora que dizia \”recusar-se a usar definições fáceis de negritude\” e afirmou que o romance de Evaristo era o exemplo radical dessa ideia.

Quem já leu a obra, sabe que as personagens do livro variam, de forma drástica, as suas posições políticas,  as idades, as sexualidades. Afinal, Evaristo criou um manto de histórias onde costurou 12 personagens, o que não invalida que a autora tivesse, na sua mente, um horizonte comum para elas.

\”Eu queria que todas as mulheres, de algum jeito, fossem triunfantes. Mesmo que tivessem traumas e dificuldades nas suas vidas diárias, queria que tivessem alguma vitória e não fossem vitimas. Eu não tenho o menor interesse em falar de nós como vítimas. Isso não serve propósito nenhum.\” — Bernardine Evaristo, autora vencedora do Booker Prize 2019

Para criar uma obra, com ar tão grande de novidade, partindo do distanciamento que Evaristo, que também dramaturga, sentia do teatro e da ficção criada por homens brancos e britânicos, era vital que o formato também fosse ousado.

\”Encontrei, nesse fluxo livre, um jeito de contar algo que ainda não tinha sido contado de uma maneira que parecia certa para a narrativa.\” — Bernardine Evaristo, autora vencedora do Booker Prize 2019

Ao falar sobre a personagem não binária do romance, Morgan, a autora afirmou a \”liberdade total\” da arte em retratar grupos a que os seus autores não pertencem, como é o caso, e realçou que isso vem com uma responsabilidade.

\”Eu não mostrei a história aos meus amigos não binários e perguntei o que achavam, porque não queria que ninguém me censurasse. Queria contar do meu jeito. E tem sido um alívio, porque ninguém me criticou até agora.\” — Bernardine Evaristo, autora vencedora do Booker Prize 2019

Evaristo disse que, mais interessante que discutir se uma pessoa cisgênero escreve sobre uma trans ou uma branca escreve sobre uma negra, é discutir a maneira como fazem isso e como o mercado recebe esses autores.

Por fim, convém relembrar que a FLIP Virtual decorre até ao próximo dia 6 de dezembro.

Aceda ao site oficial da FLIP e fique for dentro de tudo:
https://www.flip.org.br/

Siga as mesas do evento no canal do TouTube: https://www.youtube.com/channel/UC87GmBmOPPlezCPaDBrYrwQ

Foto: FLIP Virtual 2020/YouTube

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Sobre a autora:
Autora britânica de oito obras de ficção, Bernardine nasceu em Londres em 1959. O seu romance, “Girl, Woman, Other” ganhou o Booker Prize em 2019. Foi, igualmente, um dos 19 livros favoritos de Barack Obama. Em Junho de 2020, tornou-se a primeira mulher de cor a ocupar o primeiro lugar nas bancas de ficção científica do Reino Unido. A produção literária de Evaristo inclui, ainda, ficção curta, drama, poesia, ensaios, críticas literárias e projetos para teatro e rádio. Dois dos seus livros, “The Emperor’s Babe” (2001) e “Hello Mum” (2010), foram adaptados para os dramas da Rádio 4 da BBC. Atualmente, é professora catedrática de escrita criativa na Brunel University London e vice-presidente da Royal Society of Literature.

Sugestão de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
“Rapariga, Mulher, Outra”, de Bernardine Evaristo (Elsinore, Wook):
https://www.wook.pt/livro/rapariga-mulher-outra-bernardine-evaristo/24302923

Leitores residentes no Brasil:
“Garota, Mulher, Outras”, de Bernardine Evaristo (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/garota-mulher-outras-1-ed-2020/artigo/9c1b8bd8-cc8e-4f53-b284-2c8ab6f6ac1a

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Boas leituras!

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