Hoje, Alice Maulaz, com este texto, debruça-se sobre o período do pós-Primeira Guerra Mundial e os seus efeitos, sobretudo, na sociedade inglesa e como isso afetou a vida de Virginia Woolf.
A primeira guerra mundial terminou em 1918 com uma nova configuração de poder e no surgimento de novas potências. Segundo Farmer (2009 apud Junior e Justino, 2017), são relatados 10 milhões de homens mortos no total, seguido de 5 milhões de civis mortos por escassez de alimentos durante a guerra e, também, por uma gripe devastadora que assombrou a população. Assim sendo, este foi um tempo de escassez e de um quotidiano sombrio.
Pode-se dizer que as mulheres tiveram uma participação crucial durante a primeira guerra mundial. Neste contexto, fica claro que existe uma necessidade maior de demanda feminina num mercado voltado para a sobrevivência. O mais preocupante, contudo, é constatar que existe uma divergência até entre os historiadores sobre os impactos da guerra no papel da mulher perante a sociedade, como afirma Sondhaus (2013), já que alguns historiadores acreditam que se, por um lado, a guerra reforçou as relações tradicionais de género da época, enfatizando o casamento e a maternidade, por outro, outros vêem, de forma gradual, a revolução de géneros como um acontecimento temporário entre tantos traumas gerados não só nos confrontos, mas nos civis que conviviam com as rupturas.
É importante citar como o trauma é a maior herança psicológica gerada após a guerra. Conforme Rudge (2009), o grande psicanalista Freud havia dito que os casos de neurose traumática pós-guerra tiveram como resultados uma fixação no momento que ocorreu esta situação traumática e, a partir disso, este momento vai sendo reeditado e reaparece como forma de ataque que transporta a pessoa para o trauma, novamente. Rudge afirma, igualmente, que Freud mencionou não só os pensamentos que hoje são denominados flashbacks frequentes, mas, ainda, o desenvolvimento de sentimentos como o desânimo, a depressão e a tristeza.
Não é exagero afirmar que Woolf trouxe esse cenário de ruptura para a sua obra. Aliás, é importante salientar que esta pressão por uma campanha de uma mulher retrato de uma sociedade patriarcal, que deveria acompanhar os deveres do seu tempo, afetou a vida da própria autora, conforme descreve Cordás e Marchetti (2011). Assim, preocupa o fato de que Mrs. Woolf seja chamada, por alguns familiares, pelo nome da própria personagem da sua obra, Mrs. Dalloway, segundo uma entrevista realizada, em 2008, pelo jornal El País. à sua sobrinha-neta Virginia Nicholson, também citada por Cordás e Marchetti (2011).
Ora, em tese, conforme afirma Purseigle (2002) sobre o impacto da guerra no Reino Unido: \”A guerra desafiou as concepções de cidadania estabelecida e redefiniu a relação entre o Estado e a sociedade civil\”. Logo, não se trata somente do cenário das atrocidades vistas na guerra, trata-se de uma reformulação na sociedade diante da necessidade de adaptar um exército composto de uma pequena força que servia para proteção do Império, conforme descrito pelo mesmo autor. É importante considerar este aspecto para entender a solitude que assombrou a sociedade inglesa e como esta questão está conectada diretamente com a obra de Woolf, conforme explicado acima.
Sobre a Primeira Guerra Mundial e a redefinição dos padrões de governo e os seus impactos em todas as esferas da sociedade, afirma Purseigle (2002):
\”A experiência britânica durante Grande Guerra sublinha aquilo que pode parecer um paradoxo da beligerância liberal. Ao demonstrar a capacidade do Estado para mobilizar os recursos nacionais ao serviço da vitória, o conflito acentuará igualmente a sua dependência relativamente à sociedade civil, cuja autonomia permite, no caso concreto, manter a coesão social. Face às exigências da guerra industrial, o Estado respondeu, com efeito, a um duplo imperativo, primeiro de gestão, e, em seguida, de legitimação. A mobilização social resultou de um processo contínuo de negociação das condições da participação de cada grupo no esforço de guerra.\” — Purseigle (2014, p. 177 e 178)
O foco na mobilidade social inglesa, durante a Primeira Guerra Mundial, trouxe consequências para a forma como o Estado é visto e contribui para a sua dependência com a população. Esse é o motivo pelo qual é importante frisar essa mesma dependência, uma vez que, até então, o sentimento de nacionalismo inglês nunca havia sido posto à prova. Conforme citado acima, a única forma conhecida de lidar com as rupturas sociais diante de um período de adaptação a uma realidade era deixar, em segundo plano, os conflitos sociais que existiam numa Inglaterra diferente, antes da guerra, e estes conflitos estarão presentes, paralelamente, dentro da literatura e, mais especificamente, nas obras de Woolf.
Em suma, Woolf viveu tempos de profunda incerteza, e de uma realidade difícil, com rupturas de uma sociedade que precisou de conviver com a necessidade de combate e, ao mesmo tempo, de sobrevivência. Considerando este contexto pós-guerra e como a Inglaterra precisou de lidar com todo o processo de recuperação da guerra, pode-se afirmar que isso afetou bastante na vida pessoal da autora, que é marcada por altos e baixos, tanto na forma como ela via a solidão e como esta solidão resultou no suicídio de Septimus, quanto no próprio suicídio da autora, anos depois.
Foto: Virginia Woolf por Emil Otto Hoppé
Caso queira adquirir estes, ou quaisquer outros livros, apoie o Sonhando Entre Linhas, usando o link de afiliado da Wook:
https://www.wook.pt/?a_aid=595f789373c37
Sobre a autora:
Nasceu em Londres a 25 de janeiro de 1882, filha de Sir Leslie Stephen, escritor e historiador ilustre da Inglaterra vitoriana. Desde cedo ligada a grupos de intelectuais, Virginia Woolf casou, em 1912, com Leonard Woolf e com ele fundou a editora Hogarth Press, responsável pela revelação de autores como Katherine Mansfield e T. S. Eliot e pela publicação das suas próprias obras. Reconhecida como uma das mais proeminentes figuras do modernismo britânico, destacam-se entre os seus trabalhos os romances “Mrs Dalloway” (1925), “Orlando” (1928) e “As Ondas” (1931), assim como o ensaio “Um Quarto que Seja Seu” (1929). Após sucessivas crises depressivas e não suportando o isolamento provocado pelo agravar da Segunda Guerra Mundial, suicida-se a 28 de março de 1941, em Lewes.
Sugestão de Leitura:
Leitores residentes em Portugal:
“Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf (Livros do Brasil, Wook):
https://www.wook.pt/livro/mrs-dalloway-virginia-woolf/16066983
Leitores residentes no Brasil:
“Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf (Penguin-Companhia, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/mrs-dalloway-1-ed-2017/artigo/3c12d6c4-9c43-4d72-b0aa-c144d85174c5
Também estamos no Instagram:
https://www.instagram.com/sonhandoentrelinhas/
Boas leituras!