Entrevista com Natalia Borges Polesso, autora de “Amora”, vencedora, em 2016, do Prêmio Jabuti, na categoria de Contos

Tem como sua bandeira de vida, falar de amor, no feminino, entre mulheres, nas suas diversas formas. \”Amora\”, o seu livro de contos publicado, em 2016, pela Não Editora, arrecadou o Prêmio Jabuti, o galardão mais importante da literatura brasileira, nesse mesmo ano. Nascida no Rio Grande do Sul, em 1981, apesar de não ser muito cohecida em Portugal, já é uma das autoras mais promissoras da literatura das terras de Vera Cruz, ainda antes dos 40 anos. Numa entrevista descontraída, repleta de referências a outros autores, a vários gêneros literários e ao seu processo de escrita, Natalia Borges Polesso traz um olhar sobre a necessidade de haver mais representatividade na literatura contemporânea.

,I – Origens & Hábitos de Leitura

SEL – O que pode revelar das suas origens para todos aqueles que não a conhecem?
Natalia Borges Polesso – Bem, essa pergunta me parece ter vários caminhos, vou escolher o da minha formação leitora. Nunca tivemos muitos livros em casa, não venho de uma família de grandes leitores e académicos (não que não lessem, apenas não era um interesse), mas lembro de que o objeto livro sempre me interessou. Na minha casa, não sei como ou porquê, circulava uma coletânea de poemas e, volta e meia, eu pegava o livro para ler um ou dois daqueles textos. Logo, comecei a me interessar por compor algumas linhas. Coisa de criança, uma curiosidade com as palavras.

SEL – Na sua família, tem alguém que goste de ler?
Natalia Borges Polesso – A minha família não tem grandes leitores, como disse, mas todos leem, mais ou menos, dentro de suas áreas de atuação. Acho que toda a minha família nuclear lê os meus livros (e eu não os obrigo!).

SEL – Você se lembra de qual foi o primeiro livro que leu na íntegra?
Natalia Borges Polesso – Não lembro. Lembro de que eu não gostava de ler os livros que a escola nos obrigava a ler. Lembro de mentir que tinha lido e inventar coisas loucas na ficha de leitura requisitada sempre pela professora. Não tínhamos muitos livros em casa, quando eu era pequena, mas lembro de uma coletânea de poemas que tinha o poema \”Lira do Amor Romântico\”, do Drummond de Andrade, que me encantou. Não lembro dessa transição, mas lembro muito bem de quando encontrei \”Incidente em Antares\”, de Erico Verissimo. Talvez, tenha sido esse o primeiro livro que li inteiro, fora os infantis e infanto juvenis, dos quais não lembro. Acho que eu tinha uns 12 anos, quando li \”Incidente em Antares\”.

\”O meu gosto pela leitura não é algo sério, ao contrário, é algo alegre, sem preocupações, que me faz viajar, que me faz experimentar sensações que nunca imaginei (boas e ruins, mas até isso na literatura é bom). Eu acho que meu gosto por saber de histórias vem antes da leitura, na verdade. Acho que ele vem de quando morei um ano com a minha avó. Eu tinha seis anos, creio, e todas as noites ela me contava os seus causos, que geralmente envolviam vacas furiosas, fugas e cercas de arame farpado, corridas e esconderijos. Eram grandes aventuras. Eu amava. Acho que meu gosto veio daí.\” —  Natalia Borges Polesso

SEL – Tem algum género literário e algum(a) autor(a) favorito(a)?
Natalia Borges Polesso – Não, creio que não. Eu leio de tudo. Prosa e poesia, ficção e não ficção, teoria e esoterismo, ensaios e HQs. Acho que tudo depende do momento, do acaso também, de no nosso caminho de leitores e leitoras ir encontrando narrativas. Tenho me empenhado muito em ler o contemporâneo.

SEL – Na sua experiência de leitura, já houve algum autor que não conhecia e o arrebatou completamente?
Natalia Borges Polesso –
Muitas e muitos. Eu amo Julio Cortázar e Silvina Ocampo. Amo a poesia de Wislava Szymbrska e de Tatiana Nascimento. A prosa de Virginia Woolf me deixa tão em êxtase quanto a de Luciany Aparecida. Fico impressionada com Cidinha da Silva tanto quanto Oscar Wilde. Mas se eu tiver que escolher um entre todos, eu fico com Caio Fernando Abreu. Ou não. (risos)

SEL – Quando está a ler um livro, qual é a característica que faz com que não largue a história?
Natalia Borges Polesso –
Infelizmente, eu acho que isso depende mais de mim do que do livro, eu sou uma pessoa muito inquieta. que não consegue ficar sem se mexer, o que atrapalha um pouco o exercício de ler, embora eu tenha certeza de que sou uma pessoa que lê bastante. Eu também leio muitas coisas juntas. Por exemplo, agora estou entre a leitura e a releitura das seguintes obras: \”L’histoire de la sexualité\”, de Foucault; \”Corpos em aliança e a política das ruas\”, de Judith Butler; \”Onde estão as bombas\”, volume de poesia de Tatiana Pequeno; \”Mulher sob a influencia de algoritmos\”, de Rita Isadora Pessoa, poemas também; \”Marrom e Amarelo\”, de Paulo Scott, e alguns artigos sobre colonialidade, para um grupo de estudos que coordeno. De modo que não sei se isso de não largar um livro funciona mesmo para mim.

SEL – Como marca as citações que mais gosta num livro? Com post-its, sublinha a lápis ou anota num caderno?
Natalia Borges Polesso – Eu risco e/ou faço uma pequena dobra no canto da página, a popular orelhinha. Já no kindle, é mais fácil, eu marco um destaque. Além disso, eu comento as citações que mais gosto, ou seja, eu escrevo no livro, mas geralmente faço isso a lápis.

 SEL – Num mundo cada vez mais globalizado, como vê o aumento de produção de e-books?
Natalia Borges Polesso – Vejo como algo bom. Eu amo livros de papel, mas não sou muito apegada. Todos os anos, eu faço doações ou presenteio pessoas com livros da minha biblioteca, de modo que ela sempre se mantém pequena. Tenho pavor de ver um montão de livros ali parados e sem que mais gente tenha acesso. Os livros digitais me parecem uma boa saída para urgências ou para aqueles volumes que tu não tem bem a certeza de que quer manter. No mais, sobre livros físicos, tento sempre comprar em livrarias pequenas ou de autores independentes.

 II – Os primeiros passos na escrita

\”Eu acho que eu fui escrevendo como curiosidade. Lembro de, já na quinta série, me interessar em escrever poemas, teve aquele poema do Drummond no livro, aquele que rolava lá em casa. Lembro de tentar emular aquilo, fazer algumas rimas ou paródias. Depois, mantive cadernos com poemas, histórias e lamentações. Mais tarde, migrei para um blog e, ali, experimentei os meus primeiros contos. Alguns foram publicados em coletâneas e antologias de concursos. A partir disso, publiquei o meu primeiro livro, com apoio de um fundo de cultura da minha cidade.\” — Natalia Borges Polesso

 SEL – Tem algum ritual que você faz antes de começar escrever?
Natalia Borges Polesso –
Um pequeno silêncio. E café.

III – Carreira como escritora

SEL – Ao se tornar escritora, qual era a sua visão sobre o mercado editorial?
Natalia Borges Polesso – Eu não conhecia nada do mercado editorial, nada da cadeia do livro, dos atores envolvidos, do que é preciso para um livro ir da cabeça de uma autora até a prateleira de uma livraria e da multiplicidade desses caminhos. Eu não sabia de nada mesmo. Mas a gente vai aprendendo.

SEL – Frequentou workshops de escrita na fase inicial da sua carreira?
Natalia Borges Polesso – Não. Na minha cidade, isso não era um costume e eu acho que eu nem sabia desses workshops. Passei meio ao largo disso tudo. Mas eu acho tudo muito legal e interessante. Tanto é que, recentemente, frequentei alguns, de colegas escritoras e escritores que admiro.

\”Leiam bastante e escrevam. Nenhum texto sai pronto. Escrevam sempre, como exercício diário. Reflitam sobre a escrita. Leiam a produção contemporânea. E conversem sobre literatura e escrita.\” —  Natalia Borges Polesso

SEL – Está a preparar algum livro novo? Se sim, o que nos pode contar sobre ele?
Natalia Borges Polesso – Sempre. Tenho muitas ideias e escritos. Tenho um livro pronto que comecei em 2016 e terminei em 2019. É sobre o fim do mundo… mas, agora, não tenho mais a certeza se quero publicá-lo neste momento. Tenho outro, também, que são contos unidos pelo tema da água. Neste último, tenho trabalhado mais.

SEL – Como classifica o momento actual da literatura brasileira?
Natalia Borges Polesso – Em termos de mercado, por causa da pandemia, creio que teremos momentos ruins, de arrefecimento. Quanto à produção atual, eu acho muitíssimo frutífera.

IV – Amora

\”A ideia surgiu, lá por 2013, a partir de algumas lacunas no meu caminho de leitora, da falta de referências de literatura produzida por mulheres LBTQ. Eu queria escrever um livro com protagonistas lésbicas. Esse foi o ponto de partida.\” —  Natalia Borges Polesso

\"\"
Fonte: Não Editora

SEL – As suas origens tiveram alguma influência neste livro?
Natalia Borges Polesso – Acho que sim, todo o escritor e toda a escritora se coloca em seus escritos, em maior ou menor medida.

SEL – Como é que organizou as ideias para escrever este livro?
Natalia Borges Polesso –
Sem muito mistério. As histórias foram surgindo a partir de memórias, conversas, sonhos…

SEL – Quando chegou a fase de criar as  personagens, inspirou-se em pessoas reais ou inventou, simplesmente?
Natalia Borges Polesso –  
As duas coisas.

SEL – Você considera-se uma pessoa extremamente observadora? De que forma você recolheu referências para a construção dos seus cenários?
Natalia Borges Polesso – Não sei dizer se sou, ou não, extremamente observadora. Acho que sou observadora, mas também desatenta… depende da situação. As referências acho que caminham bem junto da minha história, das minhas próprias referências de mundo.

SEL – Sendo “Amora” um livro de contos, quais foram os autores que a inspiraram a escrever este género literário?
Natalia Borges Polesso – Caio Fernando Abreu, Julio Cortázar, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, mas acho que a gente se afeta com tudo o que lê.

SEL – Neste livro de contos, a Natália traz a bandeira da representatividade ao explorar, entre vários temas, o amor no feminino. Qual é o seu principal motivo ao fazê-lo?
Natalia Borges Polesso – Acho que essa é uma bandeira da minha vida e, por isso, ela aparece na minha literatura. Mas sim, no \”Amora\”, os afetos entre mulheres estão mais evidentes. E não são, apenas, afetos românticos, isso também é importante dizer.

SEL – Em que momento é que você decidiu o título deste livro? Antes de escrever, durante a escrita ou apenas com o manuscrito pronto?
Natalia Borges Polesso – Foi durante o precesso, mas mais ao final. Antes seria Amor(a), mas achei ruim. Amora é uma palavra bonita e no contexto do livro se enche de significados.

SEL – Como é que lidou com o bloqueio criativo?
Natalia Borges Polesso – Eu leio. Não me preocupo muito com o bloqueio. Eu acho que faz parte do enigma.

SEL – Quanto tempo demorou a escrever “Amora”?
Natalia Borges Polesso – Uns 3 anos.

V – Publicação

SEL – Qual é a fase do processo de lançamento que mais te empolga?

Natalia Borges Polesso – Acho que o dia do lançamento. É um momento de encontro e de celebração.

SEL – Como é que tem sido o feedback dos leitores?
Natalia Borges Polesso – Perene. \”Amora\” tem 5 anos já e. quase todos os dias. eu recebo alguma mensagem ou alguém compartilha que está lendo. Já recebi longas histórias sobre como o livro mexeu com a pessoa, já recebi cartas de verdade. Sempre fico feliz com os caminhos de \”Amora\”.

SEL – Para terminar, o que diz o seu “eu literário”, neste momento?
Natalia Borges Polesso – O que é verdade e o que é uma ficção absurda neste país? Eu não sei mais dizer. Tu sabe?

Foto: Natalia Borges Polesso por Livia Pasqual

Caso queira adquirir estes, ou quaisquer outros livros, apoie o Sonhando Entre Linhas, usando o link de afiliado da Wook:
https://www.wook.pt/?a_aid=595f789373c37

Sobre a autora:
Natalia Borges Polesso (Bento Gonçalves – RS, 1981) é tradutora e escritora. Estreou na literatura com “Recortes para álbum de fotografia sem gente” (2013), premiado com o Açorianos. Em 2015, publicou sua poesia em “Coração à corda”. Ganhou o Prêmio Jabuti com “Amora” (2016), livro de contos sobre o amor no feminino. Doutorou-se em teoria da literatura na PUC-RS. Em maio de 2017 foi escolhida pelo Hay Festival da Colômbia como um dos 39 escritores menores de 40 anos mais promissores da América Latina. Em 2019, publicou o romance \”Controle\” pela Companhia das Letras. Já em 2020, publicou o romance \”Corpos Secos\”, pela Editora Alfaguara, que escreveu em parceria com Luisa Geisler, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado.

Sugestões de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
\”Amora\”, de Natalia Borges Polesso (eBook, Prêmio Jabuti 2016, Não Editora, Wook):
https://www.wook.pt/ebook/amora-natalia-borges-polesso/18941269

Leitores residentes no Brasil:
\”Amora\”, de Natalia Borges Polesso (Prêmio Jabuti 2016, Não Editora, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/amora-contos-1-ed-2015/artigo/77cf5af5-37e4-4876-b0a8-9229f4847d09
\”Controle\”, de Natalia Borges Polesso (Companhia das Letras, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/controle-1-ed-2019/artigo/8706731d-4bf1-445c-a865-96ac05048658
\”Recortes para Àlbum de Família sem Gente\”, de Natalia Borges Polesso (Não Editora, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/recortes-para-album-de-fotografia-sem-gente-1-ed-2018/artigo/cff4091f-3e59-4502-bbfa-507de60802b6

Também estamos no Instagram:
https://www.instagram.com/sonhandoentrelinhas/

Boas leituras!

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top