A 16 de novembro, ou seja, dentro de 8 dias, se fosse vivo, José Saramago completaria 100 anos de vida. Por isso, neste artigo, listei 10 obras que podem ser lidas para homenagearmos o autor, o único escritor de língua portuguesa que recebeu o Prémio Nobel de Literatura, com 76 anos, mais precisamente, a 8 de outubro de 1998.
Inseridos numa produção literária bastante vasta e diversificada, ainda que tenha começado a escrever a tempo inteiro, já numa fase avançada da vida, todos estes livros foram escritos a partir dos 58 anos de idade ou mais.
“Levantado do chão” (1980)
Romance indispensável do Nobel José Saramago, “Levantado do chão” acompanha a luta de um povo que tenta superar séculos de opressão e desigualdade social numa das regiões mais sofridas de Portugal.
Esta é a história dos Mau-Tempo, família de lavradores do Alentejo cuja trajetória, do início do século XX até a década de 1970, é contada com o arsenal dos melhores fabulistas e o olhar generoso dos grandes críticos sociais. É também a narrativa das mudanças que um país saudoso de poder e glória atravessaria ao longo do tempo; e da luta de muitos dos seus cidadãos oprimidos para assegurar uma vida mais digna no campo e na cidade.
Aclamado lno momento da sua publicação em Portugal, “Levantado do chão” é uma dessas obras incontornáveis na luminosa produção do português José Saramago, um dos grandes narradores do nosso tempo. A história social e a observação poética e particularizada da vida humana ganham aqui contornos de uma espécie de épico da vida ordinária – mas jamais comum, uma vez que cada um dos seus personagens reluz com o brilho singular de uma das mais poderosas criações ficcionais das últimas décadas.
“Memorial do convento” (1982)
Brilhante reinvenção do romance histórico, “Memorial do convento” consagrou José Saramago internacionalmente e o tornou um dos nomes fundamentais das letras contemporâneas.
No epicentro desta história está a construção do Palácio Nacional de Mafra, também conhecido como Convento. O monarca absolutista D. João V, para cumprir uma promessa, ordenou que o edifício fosse erguido no início do século XVIII, à custa de uma imensa quantidade de ouro e diamantes vindos do Brasil, além do sangue de milhares de operários. Dentre eles, havia um certo Baltasar, da estirpe de Sete-Sóis, inválido da mão esquerda depois de uma guerra, apaixonado por Blimunda, uma jovem dotada de poderes extraordinários. Indivíduos habitualmente não observados pela dita história oficial, mas que no entanto constituem o seu tecido mais delicado e essencial.
“Memorial do convento” tornou José Saramago um nome internacionalmente aclamado da literatura contemporânea, graças à mistura entre narrativa histórica e história individual. Embora esteja firmemente assentado na tradição da melhor ficção de seu país, a obra cativaria leitores das mais diversas culturas.
“O ano da morte de Ricardo Reis” (1984)
Depois de uma temporada de autoexílio no Brasil, o heterónimo de Fernando Pessoa está de volta a Lisboa. O ano é 1936, e ele tem de pôr de lado a sua índole contemplativa para poder situar-se no meio dos acontecimentos políticos de uma Europa em ebulição.
A notícia da morte de Fernando Pessoa, telegrafada de Lisboa pelo companheiro de heteronímia Álvaro de Campos, faz Ricardo Reis tomar a decisão de regressar imediatamente a Portugal. Como logo percebem os funcionários do hotel onde ele se hospeda na noite tempestuosa da chegada a Lisboa, Reis possui um temperamento formal e comedido. Gosta de fechar-se no seu quarto, aparecendo quase somente nos horários das refeições ou nas saídas e chegadas das suas perambulações solitárias pela cidade. Enquanto espera tranquilamente a hora de ir juntar-se ao seu criador, assiste pelos jornais ao espetáculo do mundo e, às vezes, compõe versos dedicados à camareira do hotel ou a uma jovem hóspede com a mão esquerda paralisada.
As fronteiras habituais entre realidade e literatura dissolvem-se de modo impactante nesta amostra emblemática da ficção de José Saramago. “O ano da morte de Ricardo Reis” é considerado, por muitos críticos, o seu melhor romance e o livro-chave que o projeta entre os maiores prosadores da língua portuguesa.
“A jangada de pedra” (1986)
A península Ibérica separa-se da Europa e, à medida que navega à deriva pelo Atlântico, vai recriando a própria identidade. Narrativa de corte surrealista, belíssima parábola sobre o isolamento dos povos ibéricos em relação aos seus irmãos europeus ao longo dos séculos.
Racham os Pirineus, a Península Ibérica se desgarra da Europa. Transformada em ilha – a jangada de pedra -, navega à deriva pelo oceano Atlântico. A esse espetacular acidente geológico somam-se outros insólitos que unem os quatro personagens principais do romance numa viagem apocalíptica e utópica pelos caminhos da linguagem e, por meio dela, pelos da arte e da cultura peninsulares. A história dos povos ibéricos, José Saramago conta e reconta através da memória de um narrador, múltiplo de si mesmo e dos personagens cujas andanças acompanha.
Os mitos costuram-se nas pedras da fratura de que se fez a jangada. Neles recuperam-se as crónicas, peregrinações de heróis anónimos ou notórios da identidade ibérica, todos notáveis, D. Quixote entre uns, os peregrinos de Santiago de Compostela na Idade Média entre outros.
“História do cerco de Lisboa” (1989)
A história da tomada de Lisboa aos mouros no ano de 1147 e a crónica de um inesperado encontro amoroso na Lisboa do fim da década de 1980: duas narrativas, tecidas e entretecidas de maneira brilhante, que exploram as possibilidades do romance como meio para recriar o passado e o presente.
Um ato gratuito, sem explicações aparentes, compele o revisor Raimundo Silva a inserir um termo que falsifica a “verdade” histórica. Essa fraude que se impõe àquele fiel respeitador de textos alheios é a origem da fascinante fabulação que Saramago sobrepõe à história do cerco de Lisboa.
A nova história do cerco é a crónica do amor tardio do revisor falsário por Mara Sara, que se espelha, oito séculos depois, no amor primevo do soldado Mogeuime por Ouroana, aos pés da cidade prestes a cair. Assim, a Lisboa de Saramago também se refaz nas ruas da cidadela moura e no arraial português, e o que surge dessa amálgama é, a um só tempo, um thriller e um retrato histórico, como só a mais acabada literatura é capaz de fazer.
“O evangelho segundo Jesus Cristo” (1991)
Romance magistral e polémico do Prêmio Nobel de Literatura de 1998.
Todos conhecem a história do filho de José e Maria, mas nesta narrativa ela ganha tanta beleza e tanta pungência que é como se estivesse a ser contada pela primeira vez.
“Ensaio sobre a cegueira” (1995)
Uma terrível ”treva branca” vai deixando cegos, um a um, os habitantes de uma cidade. Com essa fantasia aterradora, Saramago nos obriga fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu.
O “Ensaio sobre a cegueira” é a fantasia de um autor que nos faz lembrar “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”. José Saramago dá-nos, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti.
“Todos os nomes” (1997)
A história de um obscuro arquivista cujo hobby é colecionar recortes de jornal sobre pessoas famosas. Protagonizando uma espécie de enredo kafkiano às avessas, ele abandona o seu labirinto de papéis e os seus hábitos de retidão, movido pela obsessão de encontrar uma mulher desconhecida.
Todos os nomes é a história de um modesto escriturário da Conservatória Geral do Registo Civil, o Sr. José, cujo hobby é colecionar recortes de jornal sobre pessoas famosas. Um dia sua curiosidade acabará se concentrando num recorte que o acaso põe diante dele: a mulher focalizada ali não é célebre, mas o escriturário desejará conhecê-la a todo custo. Abandonando seus hábitos de retidão, ele estará disposto a cometer pequenos delitos para alcançar o que deseja: pequenas mentiras que darão à vida uma intensidade desconhecida.
Numa espécie de enredo kafkiano às avessas, o pequeno burocrata enrodilha-se na imprecisão das informações que ele mesmo acumula e acaba forçado a ganhar o mundo, a deixar os meandros de seu arquivo monumental, em busca de dados que, em última instância, mantenham alguma fidelidade à vida.
“As intermitências da morte” (2005)
Depois de séculos sendo odiada pela humanidade, a morte resolve pendurar o chapéu e abandonar o ofício. O acontecimento incomum, que a princípio parece uma benção, logo expõe as intrincadas relações entre Igreja, Estado e a vida cotidiana.
Apesar da fatalidade, a morte também tem seus caprichos. E foi nela que o primeiro escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel da Literatura buscou o material para seu novo romance, “As intermitências da morte”.
Cansada de ser detestada pela humanidade, a ossuda resolve suspender suas atividades. De repente, num certo país fabuloso, as pessoas simplesmente param de morrer. E o que no início provoca um verdadeiro clamor patriótico logo se revela um grave problema.
“Caim” (2009)
O vencedor do prêmio Nobel José Saramago reconta episódios bíblicos do Velho Testamento sob o ponto de vista de Caim, que, depois de assassinar seu irmão, trava um incomum acordo com Deus e parte numa jornada que o levará do jardim do Éden aos mais recônditos confins da criação.
Num itinerário heterodoxo, Saramago percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha, conforme o leitor acompanha uma guerra secular, e de certo modo involuntária, entre criador e criatura. No trajeto, o leitor revisitará episódios bíblicos conhecidos, mas sob uma perspectiva inteiramente diferente.
Para atravessar esse caminho árido, um deus às turras com a própria administração colocará Caim, assassino do irmão Abel e primogênito de Adão e Eva, num altivo jegue, e caberá à dupla encontrar o rumo entre as armadilhas do tempo que insistem em atraí-los. A Caim, que leva a marca do senhor na testa e portanto está protegido das iniquidades do homem, resta aceitar o destino amargo e compactuar com o criador, a quem não reserva o melhor dos julgamentos.
Foto: José Saramago por Juan Guamy
Sobre o autor:
Nascido a 16 de Novembro de 1922, na aldeia de Azinhaga, José Saramago foi obrigado, devido a dificuldades económicas, a interromper os estudos secundários, tendo, a partir desse momento, exercido diversas atividades profissionais: serralheiro mecânico, desenhista, funcionário público, editor, jornalista, entre outras. O seu primeiro livro foi publicado em 1947. No entanto, só em 1976, é que passou a viver, exclusivamente, da literatura, primeiramente, como tradutor e, depois, como autor. Romancista, dramaturgo, cronista e poeta, em 1998, tornou-se o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prémio Nobel de Literatura.
Sugestões de Leitura:
Leitores residentes em Portugal:
“Levantado do chão”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“Memorial do convento”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“O ano da morte de Ricardo Reis”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“História do cerco de Lisboa”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“A jangada de pedra”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“O evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“Ensaio sobre a cegueira\”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“Todos os nomes”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“As intermitências da morte”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
“Caim”, de José Saramago (Porto Editora, Wook):
Leitores residentes no Brasil:
“Levantado do chão”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“Memorial do convento”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“O ano da morte de Ricardo Reis”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“História do cerco de Lisboa”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“A jangada de pedra”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“O evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“As intermitências da morte”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“Todos os nomes”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
“Caim”, de José Saramago (Companhia das Letras, Amazon Brasil):
Boas leituras!