O que pode esperar da adaptação de \”Pequenos Fogos em Todo o Lado\”, de Celeste Ng

Esta minissérie original da Hulu, protagonizada por Reese Witherspoon (Legalmente Loira) e Kerry Washington (Scandal), chegou à Amazon Prime Video. A adaptação, que se baseia no segundo romance de Celeste Ng, foi produzida pela Hello Sunshine, responsável, igualmente, pela adapta;\\ao de \”Big Little Lies\”.

\”Pequenos Fogos em Todo Lado\” (título do romance em Portugal), é ambientado em Shaker Heights, um bairro meticulosamente organizado. Nele, tudo se aproxima da perfeição. No entanto, a história abre com um incêndio que tomou conta da casa dos Richardson. A partir desse instante, voltamos ao passado para entender como surgiram as primeiras faíscas que desestabilizaram a região.

1. Uma adaptação bastante fiel à narrativa do livro

Os leitores fanáticos estavam muito ansiosos com a estreia da minissérie e assistimos a tudo para vos poder contar aquilo que podem esperar de \”Little Fires Everywhere\”. Nesse sentido, separámos alguns pontos altos e, obviamente, momentos que se assemelham e, ainda, outros que divergem de \”Pequenos Fogos em Todo Lado\”. Ainda assim, é importante salientar que a lista é livre de spoilers, tanto ao nível do livro como ao nível da série.

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Fonte: Relógio D\’Água Editores

Antes de qualquer outra coisa, é preciso dizer que a série é uma adaptação muito fiel ao livro, algo que é muito raro de encontrar, visto que esta é uma produção de altíssina qualidade e completamente comprometida com o texto original. Por esse motivo, fica claro que a equipe responsável é fã da história e dos personagens de Celeste Ng.

Os atores, os cenários e o guião conseguem revelar a essência de \”Pequenos Fogos em Todo Lado\” e, ao mesmo tempo, expandir a narrativa presente nas 320 páginas. No elenco, o destaque vai para Reese Witherspoon, que captura a atenção com excelência o carinho e a obsessão de Elena Richardson, e Kerry Washington, que, com apenas um olhar, consegue expressar a dor e o conflito interno de Mia Warren.

Todavia, nãos nos podemos esquecer que é impossível adaptar tudo que está no livro e, assim sendo, algumas cenas precisaram de ser modificadas para se adequarem, mas todos os trejeitos, características e discussões do livro estão presentes nos oito episódios da minissérie. Nas parcas vezes em que os dois materiais divergem, é uma feliz surpresa. A ansiedade de saber que outros obstáculos estarão à espreita faz com que o leitor se envolva ainda mais com a história.

Definitivamente, \”Pequenos Fogos em Todo Lado\” é instigante como os melhores thrillers de assassinato, ainda que sejam as tensões reais do dia-a-dia e as nuances das personagens que nos fazem atravessar a noite. A série não deixou a desejar nesse quesito.

2. Mia Warren é uma mulher negra

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Kerry Washington (à esquerda) e Lexi Underwood; Fonte: IMDB

A ilusão de perfeição começa a ser colocada em causa com a chegada de Mia Warren à cidade. Artista e mãe solteira, ela está habituada a mudar de casa, frequentemente, com a filha adolescente, Pearl, só que, a partir da sua chegada, ela acaba por decidir que se vai estabelecer em Shaker Heights pelo bem da jovem. Para isso, aluga uma casa, que pertence aos Richardson.

Podemos dizer que logo no primeiro encontro das matriarcas, é possível antever as discussões sobre classes, privilégios e a maternidade que permeiam a obra, mas foi com a escolha do elenco que a série adicionou mais uma camada à história. Kerry Washington assumiu o papel de Mia Warren e abriu novos caminhos, ao colocar o racismo no centro da conversa.

Mia carrega um desprezo pelo status quo que ameaça desestruturar a comunidade. Se, por um lado, no livro, isso acontece sobretudo por conta do seu segredo, que é conjugado com a sua personalidade desafiadora, por outro, na série, vemos que o status quo, na verdade, é prejudicial para ela.

Apesar de Shaker Heights ter orgulho de ser uma das primeiras comunidades integradas racialmente, ocorrem microagressões direcionadas aos personagens negros, em todos os episódios, e Mia sabe que não é completamente bem-vinda no bairro de predominância branca.

3. Conheça melhor Elena Richardson

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Reese Witherspoon; Fonte: IMDB

Um dos episódios mais interessantes é focado no passado das personagens principais. Na obra de Celeste Ng, acompanhamos, de perto, a juventude de Mia, mas a de Elena tem menos destaque. na adaptação televisiva, a trajetória que antecede a maternidade das duas é explorada, de forma equilibrada, e conseguimos compreender melhor os conflitos de cada uma.

Um dos diversos pontos altos nesta história é a capacidade de fazer com que o espectador tenha empatia por todos as personagens, sem definir nenhum deles como completamente bom ou mau. Elena e Mia são pessoas complexas, com questões que, apesar de peculiares à situação, refletem a luta de milhões de mulheres ao redor do mundo, o que contribui claramente para a sua dimensão humana.  

No sexto capítulo, um flashback leva o espectador ao momento em que Elena descobre estar grávida de Izzy, a sua filha mais nova. Enquanto o marido fica em júbilo com a perspectiva de ter mais uma criança em casa, ela percebe, com pesar, que vai precisar de sacrificar a carreira como jornalista para criar os quatro filhos e isso faz com que ela crie um ressentimento com a menina que, naquele momento, ainda nem nasceu. Apesar de, no livro, Izzy ser uma criança planeada e cujo nascimento prematuro resultou na superproteção da mãe, a mudança no guião causam o aparecimento das funções de cada membro de uma família dita tradicional. 

Em nenhum momento, o marido está disposto a assumir um papel mais ativo na estrutura familiar. Ele é o provedor, quem trabalha o dia inteiro, fora de casa, e Elena é a mãe e esposa sempre ideal, pronta para atender todas as necessidades. Ainda que, para ela, esteja a ser a vida que ela desejou, está longe de ser perfeita.

4. A profundidade da personalidade de Izzy

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Megan Stott; Fonte: IMDB

Os quatro filhos da família Richardson têm personalidades muito distintas: Lexie é organizada e inteligente, Trip é o bonitão e popular da escola, Moody é tímido e desajeitado, e Izzy é a rebelde. Se, de um lado, estas características podem parcer estereotipadas, no início, pouco a pouco, descobrimos que não podemos confiar nas primeiras impressões.

Izzy é uma jovem extremamente protegida e incompreendida, que luta pelo que acredita e, em simultâneo, tenta subverter os padrões que são esperados dela. Contudo, nem sempre o faz da maneira mais adequada, segundo a perspetiva da mãe.

Mesmo não sendo um assunto mencionado no livro, a adaptação foca-se na sexualidade da jovem, um dos pontos que a faz destacar-se negativamente na cidade conservadora e que a torna num alvo de bullying e preconceito, sobretudo, por parte dos colegas e da família. Com mais tempo dedicado a Izzy, e um breve regresso ao passado para explorar as relações dela, entendemos, com mais profundidade, de onde surgem as suas motivações e a sua inquietude com a hipocrisia de Shaker Heights.

5. O julgamento

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Fonte: IMDB

Acima de tudo, esta é uma história sobre maternidade. Mães de diferentes etnias, nacionalidades, condições económicas e sociais, às vezes, apoiam-se e, outras vezes, voltam-se umas contra as outras. Todavia, o amor pelos seus filhos, e o que elas estão dispostas a sacrificar por isso, sempre fala mais alto.

Em certo momento, a disputa pela guarda de uma criança divide as opiniões da comunidade e somos levados a questionar: o que significa ser mãe? Como é possível dizer que uma será melhor do que a outra para a criança?

São perguntas difíceis, mas a série consegue mostrar todos os lados e faz-nos sentir o desespero e o carinho de cada uma. Na série é da mesma forma. Simpatizamos com as duas mulheres e, independentemente de para qual das duas esttamos a torcer, sabemos que ambas sentirão uma dor infinita caso percam.

No fim, não existe uma resposta 100% correta, e tanto a minissérie quanto o livro mostram isso. 

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Sobre a autora:
Cresceu numa família de cientistas. Celeste Ng formou-se na Universidade de Harvard e tirou um mestrado em Belas Artes na Universidade de Michigan, onde recebeu uma bolsa Hopwood, destinada a jovens escritores. Começou por publicar pequenas ficções e ensaios em revistas da especialidade, tendo recebido o prémio Pushcart (que premeia textos literários publicados em revistas). Vive em Cambridge (Massachusetts) com o marido e o filho. Após a publicação de “Tudo o que Ficou por Dizer” editado, em Portugal, pela ASA, que se tornou um bestseller do New York Times, tendo sido traduzido em 20 idiomas, “Pequenos Fogos em Todo o Lado”, o seu sucessor que nos chegou pela mão da Relógio D’Água, está a ser adaptado para uma série que terá o selo de qualidade da Hulu.

Sugestões de Leitura:

Leitores residentes em Portugal:
“Pequenos Fogos em Todo o Lado”, de Celeste Ng (Relógio D’Água, Wook):
https://www.wook.pt/livro/pequenos-fogos-em-todo-o-lado-celeste-ng/21892099
“Tudo o que Ficou por Dizer”, de Celeste Ng (Edições ASA, Wook):
https://www.wook.pt/livro/tudo-o-que-ficou-por-dizer-celeste-ng/17651861

Leitores residentes no Brasil:
“Pequenos Incêndios por Toda Parte”, de Celeste Ng (Editora Intrínseca, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/pequenos-incendios-por-toda-parte/artigo/e432bf62-4c9e-4f41-ac7d-8b2c3473585d
“Tudo o que Nunca Contei”, de Celeste Ng (Editora Intrínseca, Livraria da Travessa):
https://www.travessa.com.br/tudo-o-que-nunca-contei/artigo/876d56ce-2168-43ec-b194-279753d44c73

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Boas leituras!

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