Estamos no ano de 1814. Uma mulher negra, chamada Sarah Baartmam, pertencente ao povo Khoisan, foi dissuadida a ir a Europa. Ao chegar ao velho continente, foi vendida para ser objeto de exposição e de exploração de cientistas naturalistas. O motivo? Segundo os estudiosos da época, Sarah foi escolhida, sobretudo, por representar a “exuberância” do corpo feminino negro. Após uma curta vida de 26 anos, o seu corpo que foi utilizado de forma degradante, não teve nenhum descanso, sendo dissecado e exposto no Museu Nacional de História Natural.
Naquele tempo, existia a teoria de que os órgãos genitais da mulher negra eram mais “proeminentes”, que despertavam maior desejo sexual dos que os órgãos de uma mulher branca. Assim sendo, o seu corpo só retornou para a sua terra natal, a pedido de Nelson Mandela, em 2002.
Das páginas dos romances classicistas na época da escravidão, adoçava-se o discurso da estereotipificação da mulher; A negra, denominada trabalhadora, babysitter dos filhos dos brancos, escrava da vontade da sua senhora; A mulata, mulher fogosa, de corpo sensual, prostituta e de caráter duvidoso; e a mulher branca, a senhora, a mulher que, muitas vezes, açoitava a sua escrava, geralmente, por ciúmes, após o seu marido se ter deitado com aquela que era destinada, apenas, para os servir.
Estas “tipologias literárias” são uma sombra, sob a qual descansaram grandes romancistas. Tudo isto sem, ao menos, arranhar a superfície da realidade objetificada da mulher negra, como é, por exemplo, a história de Sarah, relatada no início do texto.
Uma Literatura Naturalista, onde os indivíduos eram relatados e limitados pelo meio em que viviam, uma literatura que escravizou, e escraviza, ainda hoje, a humanidade, enjaula o saber e desvirtua o amor e o respeito que a mulher negra, como qualquer outra, tem direito. É uma teoria que formaliza o racismo como viés para uma hierarquia da dominação:
“Mulher branca é com quem se casa, e a negra é com quem se deita.”
Celebrizar e propagar esta alocução é, sem qualquer dúvida, fomentar um ideal que parte a mulher negra, literalmente, em pedaços. Pedaços de carne para serem vendidos e tratados, somente, como um objeto de volúpia. Entenda: Há um ser humano por trás da mulata do carnaval.
Que não sejamos filhas contemporâneas da escravidão! Que não alimentem, ainda mais, este sistema que já roubou anos de quem teve a sua existência diminuída e menosprezada na literatura, o que se reflete no cotidiano da mulher. Por fim, a literatura deveria servir para nos libertar e abençoar-nos com a justiça da luta pela igualdade.
Foto: Diana Simumpande/Unsplash
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Boas leituras!